Cortesia de europaamerica
«Na minha perspectiva actual, os sentimentos são a expressão do florescimento humano ou do sofrimento humano, na mente e no corpo. Os sentimentos não são uma mera decoração das emoções, qualquer coisa que possamos guardar ou deitar fora. Os sentimentos podem ser, e geralmente são, revelações do estado da vida dentro do organismo. São o levantar de um véu no sentido literal do termo. Considerando a vida como uma acrobacia na corda bamba, a maior parte dos sentimentos são expressões de uma luta contínua para atingir o equilíbrio, reflexos de todos os minúsculos ajustamentos e correcções sem os quais o espectáculo colapsa por inteiro. Na existência do dia a dia, os sentimentos revelam, simultaneamente, a nossa grandeza e a nossa pequenez.
Cortesia de imagensdigitais
A forma como a revelação se introduz na mente só agora começa, ela mesma, a ser revelada. O cérebro dedica várias regiões que trabalham em concerto ao retratar diversos aspectos das actividades do corpo sob a forma de mapas neurais. Este retrato é uma imagem composta da vida nas suas contínuas modificações. As vias químicas e neurais que trazem ao cérebro os sinais com que este retrato da vida é pintado, são tão específicas como a tela que os recebe. O mistério do sentir está a tornar-se assim um pouco menos misterioso.
Cortesia de imagensdigitais
É perfeitamente legítimo perguntar se a tentativa de elucidar os sentimentos tem qualquer espécie de valor para além da satisfação da nossa curiosidade. Não deve surpreender ninguém que a minha resposta seja afirmativa. Elucidar a neurobiologia dos sentimentos e das emoções que os percebem altera a nossa visão do problema mente-corpo, um problema cujo debate é central para a nossa compreensão daquilo que somos. A emoção e as várias reacções com ela relacionadas estão alinhadas com o corpo, enquanto que os sentimentos estão alinhados com e mente. A investigação da forma como os pensamentos desencadeiam as emoçóes e de como as modificações do corpo durante as emoções se transformam nos fenómenos mentais a que chamamos sentimentos abre um panorema novo sobre o corpo e sobre a mente, duas manifestações aparentemente separadas de um organismo integrado e singular.
Cortesia de imagensdigitais
Mas a tentativa de explicar a biologia dos sentimentos e das emoções também tem resultados práticos. Vai contribuir sem qualquer dúvida paÍa. a descoberta de tratamentos eficazes de algumas das causas principais do sofrimento humano' como por exemplo a depressão, a dor e a toxicomania. Para além disso, compreender o que são os sentimentos, a forma como funcionam e o seu significado humano são passos indispensáveis para a construção futura de uma visão dos seres humanos mais correcta do que a actual, uma visão que tomará em conta todo o espectacular progresso que se tem vindo a fazer nas ciências sociais, nas ciências cognitivas e na biologia. E por que razão terá o construir dessa nova perspectiva qualquer valor prático? A.razão é simples: o êxito ou o fracasso da humanidade depende em grande parte do modo como o público e as instituiçóes que governam a vida pública puderem incorporar essa nova perspectiva da natureza humana em princípios, métodos e leis. Compreender a neurobiologia das emoções e dos sentimentos é necessário para que se possam formular princípios, métodos e leis capazes de reduzir o sofrimento humano e engrandecer o florescimento humano. De facto, a nova perspectiva diz até respeito ao modo como os seres humanos poderão abordar conflitos latentes entre interpretaçóes sagradas ou seculares da sua própria existência.
Cortesia de imagensdigitais
Agora que expliquei a finalidade principal deste livro, é altura de explicar a razão por que um trabalho dedicado a ideias novas sobre a natureza e significado dos sentimentos evoca Espinosa no seu título. Dado que não sou filósofo e que a finalidade deste livro não é discutir a filosofia de Espinosa, é legítimo perguntar: Porquê Espinosa? A resposta curta é fácil. Espinosa é profundamente relevante para qualquer discussão sobre a emoção e sentimenros humanos. Espinosa considerava as pulsões (drives) e motivações, emoções e sentimentos - o conjunto que Fspinosa designava de afectos - como um aspecto centrd da humanidade. A alegria e a tristeza foram dois conceitos fundamentais na sua tentativa de compreender os seres humanos e sugerir maneiras de a vida ser melhor vivida. A resposta longa é mais pessoal e muito mais trabalhosa». In António Damásio.
Cortesia de António Damásio/JDACT
Com a devida vénia a António Damásio e a Publicações Europa-América, Forum da Ciência nº 58, 6ª edição, Fevereiro de 2004, adquirido em Dezembro de 2004.