domingo, 19 de dezembro de 2010

Braga. O Pórtico do Bom Jesus do Monte: Haverá um percurso alquimista na escadaria? Parte I. «Sempre que o homem teve algo de muito profundo a comunicar, transmitiu-o por símbolos»

Cortesia de wikipédia

O Pórtico do Bom Jesus, um arco à entrada da escadaria, mostra o brasão de D. Rodrigo de Moura Teles, Arcebispo de Braga, responsável pela construção, em 1723, do primeiro grande lanço de escadaria e capelas. No exterior dos pilares duas inscrições:
  • Jerusalem sancta restaurada e reedificada no anno de 1723;
  • Pelo illustrissimo senhor Dom Rodrigo de Moura Telles Arcebispo primaz.
Nesta primeira parte, estão as capelas do início da Via-Sacra:
  • Cenáculo,
  • Horto,
  • Prisão,
  • Trevas,
  • Açoutes,
  • Coroação,
  • Pretório,
  • Caminho do calvário,
  • Queda e crucificação.
Com a devida vénia ao Gabriel e ao sítio Peregrinar/Maria cito algumas frases.

Podemos considerar 3 métodos de uso corrente para a explicação do símbolo. O método etnográfico, que o interpreta no contexto das intenções e valores de uma cultura em particular, ou de várias delas comparativamente. O método psicológico, que o interpreta no contexto das estruturas mais ou menos permanentes da psique humana. O método esotérico (também chamado tradicional), que associa o símbolo a uma intencionalidade supra-humana.
«Na escadaria do Bom Jesus do Monte, em Braga, estamos sem qualquer dúvida perante uma simbologia esotérica. Segundo Paulo Loução, "o esoterismo é a essência das religiões, uma linguagem universal por excelência. Expressa-se por símbolos que têm impacto na nossa mente espiritual. Esta linguagem inclui a razão, mas supera-a, daí a necessidade das chamadas iniciações. Os iniciados nos conhecimentos esotéricos captam instantaneamente as marcas deixadas por qualquer esoterista, de qualquer civilização, de qualquer tempo, seja em monumentos, seja na arte ou literatura".


Cortesia do profchatinho
Paulo Loução também afirma, "sempre que o homem teve algo de muito profundo a comunicar, transmitiu-o por símbolos. Nestes podemos sentir uma forma de solidariedade que ultrapassa o espaço-tempo. Os símbolos transportam uma ideia metafísica, despertam a alma e iluminam o coração. Para recebermos a sua mensagem é necessário calarmos a fantasia, alimentar a imaginação, sentir no silêncio a sua idea-força e a alma de quem o esculpiu. Parar, olhar e escutar..."

O Pórtico do Bom Jesus, um arco à entrada da escadaria.
Segundo ChevalierGheerbrant o simbolismo do portal: 
  • A porta simboliza o local de passagem entre dois estados, entre dois mundos, entre o conhecido e o desconhecido, a luz e as trevas, o tesouro e a pobreza extrema. A porta abre-se para um mistério, tendo um valor dinâmico, psicológico, pois não somente indica uma passagem, mas convida a atravessá-la. A passagem à qual ela convida é, na maioria das vezes, na acepção simbólica, do domínio profano ao domínio sagrado.

Cortesia de purl
Começando no início da escadaria, antes da parte que serpenteia pelo monte, temos nas paredes junto ao Portal de Entrada duas fontes: de um lado a Fonte do Sol e do outro a Fonte da Lua. Não nos deixam sequer margem para dúvidas, somos devidamente informados que estamos perante uma via iniciática e posivelmente alquímica.
  • 1ª fonte: Fonte do Sol – princípio masculino.
  • 2ª fonte: Fonte da Lua – princípio feminino.
Sol,  desde os mais remotos tempos, o Sol é o símbolo da luz, do conhecimento, do esclarecimento mental e intelectual. O simbolismo do Sol é tão diversificado quanto é rica de contradições a realidade solar. Se não é o próprio Deus, é, para muitos povos, uma manifestação da divindade. Pode ser concebido como filho do Deus supremo. O Sol imortal nasce todas as manhãs e põe-se todas as noites no reino dos mortos.
Lua, cultuada desde a mais remota antiguidade, como a mãe universal, o princípio feminino que fertiliza todas as coisas, representa a alma. O simbolismo da Lua manifesta-se em correlação com o Sol. As suas duas características mais fundamentais derivam, de um lado, de a Lua ser privada de luz própria e não passar de um reflexo do Sol. De outro lado, de a Lua atravessar fases diferentes e mudança de forma. Por isso, ela simboliza a dependência e o princípio feminino, assim como a periodicidade e a renovação. A Lua é o símbolo dos ritmos biológicos, o astro que cresce, decresce e desaparece, cuja vida depende do movimento e da morte. A Lua tem uma história patética, semelhante à do homem, mas a sua morte nunca é definitiva. A Lua representa o conhecimento indirecto, discursivo, progressivo, frio. Como a sua luz não é mais que um reflexo da luz do Sol, a Lua é apenas o símbolo do conhecimento teórico, conceptual, racional. Note-se que as fontes que assinalam o início da opus, são também "estrelas de oito pontas" o número oito é o símbolo da geração espiritual, o símbolo do conhecimento espiritual do ser humano.

Cortesia de skyscrapercity

Subindo as primeiras escadarias, em forma cónica, num dos pilares laterais encontra-se a Fonte do Sol e no outro a Fonte da Lua, unindo-se ambos através do arco de fecho. Sol e Lua são símbolos da eterna dualidade que possibilita a criação e a vida.
No pórtico de entrada encontramos as seguintes capelas:
  • Capela da Última Ceia (ou do Cenáculo): está representada, em imagens de tamanho natural, a última ceia. Na frente da capela a inscrição: Coena facta... accepit Jesus panen...et ait...commedite: Hoc est corpus meum. Joan. 13, 2. Math. 26, 26. Em português: "Acabada a ceia...tomou Jesus o pão...e disse comei: este é o meu corpo".
  • Capela da Agonia (ou de Cristo no Horto): representa o episódio do Monte das Oliveiras. Tem a inscrição: Factus in agonia prolixius orabat. Luc. 22, 43 – "Posto em agonia orava com mais fervor".
Segundo a opinião de Paulo Pereira «O coroamento destas capelas é piramidal, em degraus, evocando a arquitectura mítica antiga e, mais do que isso: o Templo de Salomão. Sabemos que esta forma ou figura arquitectónica – a cúpula piramidal com doze degraus, aliás raríssima entre nós (…) – anda desde meados do século XVI associada à imagem deste templo sagrado, a mais importante peça da arquitectura bíblica, confirmando o estatuto especial do lugar». Estamos perante conjuntos de escadas compostos por 39 lanços, sempre num caminho serpentiforme.

Escadaria dos planetas, fase de purificação/preparação.
3ª fonte: Fonte de Diana
Símbolos: mão, arco e flecha; esfera armilar.
Diana: deusa romana identificada com a Ártemis dos gregos. É a deusa da caça e a irmã gémea de Apolo. Para os romanos, Diana é principalmente a deusa da castidade e da luz da lua. Assim, representando nas fontes dos planetas a Lua, está relacionada, pela simbologia astrológica, com o centro emocional da pessoa e o seu lado inconsciente. O facto de a Fonte de Diana estar presente no início da escadaria é bem interessante, pois um dos sinais que muitas vezes se encontra no princípio da Obra Alquímica é precisamente o arco e a flecha, indicando que se está no caminho certo.

Capela da Prisão de Cristo (ou da Traição) com a Fonte de Diana.
Na Capela da Traição está representada a traição de Judas. A inscrição diz: Manus injecerunt in Jesum, et tenuerunt eum. Math. 26, 50- "Lançaram as mãos a Jesus e o prenderam".

4ª fonte: Fonte de Marte
Símbolos: pistola, espada e flecha; esfera armilar.
Prosseguindo a escalada vamos encontrar a Fonte de Marte com os seus atributos guerreiros. Astrologicamente, Marte é a energia, a vontade, o ardor, a tensão e a combatividade. No homem, é o combate dos desejos e das paixões. Alquimicamente está associado ao Ferro.
Para a Alquimia:
  • os metais são os elementos planetários do mundo subterrâneo;
  • os planetas, os metais do céu: o simbolismo de uns e de outros é paralelo;
  • os metais simbolizam energias cósmicas solidificadas e condensadas, com influências e atribuições diversas" (Dicionário dos Símbolos, J. Chevalier).
Marte: deus da guerra, poderá estar aqui associado com o guerreiro místico, ora o valor de um guerreiro místico provem do seu desapego face à vida material. Na simbologia astrológica, Marte é acção, motivação para agir, coragem, força e vontade pessoal. O poder do guerreiro místico residia precisamente no exercício da vontade. Simboliza a força bruta. (Chevalier e Gheerbrant, 1998).

Cortesia de skyscrapercity

Continua.

Cortesia de Peregrinar/Maria/JDACT