sábado, 11 de dezembro de 2010

Pedro Homem de Melo. Poesia: «Fomos longe demais, para voltar aos antigos canteiros onde há rosas. Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar buscam nas cores vozes misteriosas... »

(1904-1984)
Porto
Cortesia de porentremontesevales

Últimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,

Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovível, era
Espelho de pés leves, depois lassos!

E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento...

- Vaivém sexual, que o mar lega aos defuntos?
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!
Pedro Homem de Melo

Cortesia de interlegalace 

Realidade
Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nós, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas...

Mas o mistério é flor da juventude.
Não rima com poemas desumanos.
A idade - a nossa idade! - nunca ilude.
Só uma vez é que se tem vinte anos.

Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.

Realidade? Há uma: apenas esta!
- Somos espectros na cidade em festa.
Pedro Homem de Melo


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