Afonso de Albuquerque, século XVIII
Cortesia de foriente
Macau Histórico
«Os portugueses vão assim e finalmente ter a oportunidade de ler na sua própria língua e de julgar uma «edição maldita» cujos exemplares, quando foi posta à venda em Macau, foram apreendidos e confiscados aos que já os possuíam para serem destruídos pelo fogo em auto-de-fé. O seu autor caiu em desgraça. Isto aconteceu em Macau nos idos de 1926, ano em que em Portugal, foi posto fim à I República, substituída pela Ditadura Militar. Era o ‘28 de Maio’. Os sucessivos fracassos na fundação de uma colónia na China. As mal sucedidas embaixadas ao Filho do Céu. Os primeiros preconceitos xenófobos. Assustadora série de desastres. A misteriosa destruição de Liampó. Sofrimento e morte de S. Francisco Xavier. Finalmente tréguas».
«Sabe-se que as narrativas da viagem de Marco Polo à China exerceram uma considerável influência nos feitos náuticos que culminaram na façanha, iniciadora de uma época, de Vasco da Gama, influência que, como seria de esperar, cedo deve ter levado os portugueses à maravilhosa Catai, tão brilhantemente descrita pelo viajante veneziano. Contudo só vinte anos depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia os portugueses enviaram a sua primeira expedição à China, tal deve ter sido o esforço nos seus inadequados recursos nessa época de exploração e conquista. A primeira expedição a Malaca, todavia, trouxe ordens reais para que se averiguasse acerca de certos assuntos respeitantes à China, especialmente sobre se lá havia estrangeiros radicados. Sob os auspícios de Albuquerque, pouco depois, na véspera do assalto a Malaca, começaram, aí, as relações entre os portugueses e os chineses, com uma “entente cordiale” que contrastava singularmente com a traiçoeira hostilidade dos malaios. Os patrões de alguns juncos chineses nesse porto, que sofriam sob a tirania e a rapacidade do sultão, encontraram bondade e protecção em Albuquerque a quem ofereceram ajuda. Este ao recusá-la cortesmente, tinha em vista não só o prestígio orgulhoso das armas portuguesas mas também a salvaguarda da comunidade chinesa, que poderia, de outra forma, ter sido vitimada em represália. O grande estadista e militar pediu aos seus ajudantes que testemunhassem a valentia posta na conquista daquela quase inexpugnável cidade e que, no regresso à China, convencessem os seus conterrâneos da conveniência de terem os portugueses como amigos. Que Albuquerque tinha a melhor opinião da civilização chinesa, depreende-se do facto de, nos seus ‘Comentários’, ter frisado que encontrara mais educação e humanidade nos patrões dos juncos chineses do que na nata da aristocracia europeia, uma opinião que, por muito duvidosa que hoje em dia seja, era então justificada pela grosseria e brutalidade que caracterizavam a Idade Média.
Mapa de Macau, em 1889
Cortesia de wikipedia
A política de Albuquerque por outro lado, conseguia o desejado efeito de criar uma impressão favorável entre os chineses: quando o sultão, um vassalo da China, pediu socorro a Pequim, este foi-lhe negado, evidentemente porque, ao contrário dele os portugueses haviam tratado bem os chineses. Mas a conquista de um estado tributário da China antecipou as desavenças. Se ainda esperassem tributo de Malaca, este poderia apenas ser o que certa vez Albuquerque simbolicamente deu em Ormuz, uma bala de canhão. Albuquerque mandou enviados ao Sião e a outros estados vizinhos, mas nenhum à China; reservava, possivelmente para si a missão de forjar os destinos dos portugueses nesse império. Infelizmente, pouco depois, o seu regresso a casa, seguido da sua morte, privou os portugueses de um chefe ímpar, honrado e temido por onde quer que fosse, visse e conquistasse. Foi sob as ordens de um dos mais distintos oficiais de Albuquerque que se fez ao mar a primeira expedição à China, precedida ainda de duas notáveis viagens em junco u partir de Malaca:
- Jorge Álvares, em 1515, levantou um “padrão”, um pilar de pedra com as armas de Portugal, em Tamou;
- e, no ano seguinte, partiu Rafael Perestrello, cujas aventuras pela China maravilharam os portugueses em Malaca.
O entreposto comercial ficava, então, não muito longe de Macau, no Porto de Tamou (Porto Namo), na ilha de Hau Chuen, contígua a Chang Chuen, ou Sanchuan, vulgarmente conhecida como Ilha de S. João. Em 1517 apareceu por lá uma frota portuguesa, cinco naus e quatro juncos, sob o comando de Fernão Peres de Andrade, que se destacara no bravo assalto a Malaca. Os imponentes barcos europeus, os primeiros a sulcar o Mar da China, eram olhados com a característica desconfiança chinesa. Um esquadrão imperial, aí instalado em consequência de uma pirataria florescente, atacou os estranhos recém-chegados, disparando alguns tiros. Os barcos de Andrade, contudo, alegremente decorados e a toque de trombeta, dirigiram-se pacificamente para o porto; e o ‘hai-tao’ foi tranquilizado quanto à natureza amistosa da missão. Na frota vinha uma embaixada com uma carta e presentes do rei de Portugal para o imperador da China. Segundo Barros, o enviado Tomé Pires, um simples boticário empregado na selecção das drogas enviadas da Índia, fora considerado adequado para a missão por ser simpático e culto, liberal e de trato agradável e, ainda, curioso e bom observador, qualidades às quais, segundo se diz, devia a nomeação pelo governador de Goa, a quem o rei dera instruções para mandar uma embaixada à China. Propôs-se desembarcar o enviado e estabelecer relações comerciais em Cantão mas como os mandarins ignorassem os repetidos pedidos nesse sentido, Andrade forçou o caminho com duas naus e todos os barcos disponíveis. Isto levantou dificuldades à chegada, agravadas pelo facto, sem precedentes, de ter sido arvorada uma bandeira estrangeira e disparada uma salva, o que foi, evidentemente, tomado por hostil. No entanto, depois das devidas explicações, foi dada uma recepção cordial à embaixada, ainda que as transacções comerciais, iniciadas sob os mais favoráveis auspícios, tivessem sido frustradas pela morte do feitor. A doença grassava entre os portugueses, que ao conhecerem as notícias de um ataque pirata ao resto da frota, regressaram a Tamou. Antes de partir Andrade proclamou que qualquer ofensa dos seus homens seria por ele retaliada, procedimento que os chineses admiraram e exaltaram. À vista das grandes quantidades de ouro trazido para Tamou pelos comerciantes japoneses, Andrade enviou, num barco, um grupo exploratório, comandado por Jorge Mascarenhas, que, quando foi mandado regressar em consequência de a frota ser urgentemente necessária para socorrer Malaca, já tinha chegado até Chincheu, na província de Foquien. Que as relações diplomáticas e comerciais não eram o único objectivo em vista, pode-se deduzir da ordem que a expedição trazia de procurar livros chineses famosos e de os mandar traduzir, assim como de regressar com alguns homens e mulheres chineses. Vários cronistas dessa época, em especial Castanheda e Couto, afirmam que Fernão Peres de Andrade foi, ele próprio, como embaixador à China. Há, na verdade razões plausíveis para se supor ter sido este o caso; e em vista das exigências derrogatórias da corte chinesa Andrade deve ter renunciado ao seu direito de precedência e desdenhosamente designado o boticário como enviado. De qualquer modo, a prolongada estada de Pires em Cantão aponta para algumas sérias dificuldades». In Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT