sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Elisa Neves Travessa: Jaime Cortesão. Política, História e Cidadania: Parte VI. «O significado patriótico das lendas veiculadas no drama em questão e a própria imagem heróica de Egas Moniz, modelo de fidelidade, dedicação e honra, símbolo da independência nacional, inclui também um fascínio, com raízes na sensibilidade romântica, por um período determinado da história nacional, a Idade Média»

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«O drama histórico pelo apelo à imaginação e à emoção, a que se junta a comunhão interactiva espectador-actor e as incursões na história nacional, proporcionava a reabilitação do sentimento patriótico, o fortalecimento da memória histórica da nação, garante da continuidade nacional. Um nacionalismo, ou melhor «um patriotismo ecuménico e prospectivo», como princípio de unificação e identificação pelas lendas históricas, contrariando o esquecimento e a amnésia, compreensível se lembrarmos as lutas da elite intelectual na procura de soluções para a regeneração nacional. Reavivar a memória nacional e histórica na convicção implícita de que a sua perda poderia determinar graves alterações na «identidade colectiva».
Independentemente da sua autenticidade e de corresponderem à «verdade histórica», Cortesão atribui às lendas uma função pedagógica privilegiada na divulgação e vulgarização da história nacional e na consolidação da memória da nação. Lembremos ainda que estamos perante um drama e não uma obra histórica com preocupações de investigação histórica evidenciadas noutras publicações posteriores do autor. O significado patriótico das lendas veiculadas no drama em questão e a própria imagem heróica de Egas Moniz, modelo de fidelidade, dedicação e honra, símbolo da independência nacional, inclui também um fascínio, com raízes na sensibilidade romântica, por um período determinado da história nacional, a Idade Média. No caso específico da lenda que envolve Egas Moniz, Cortesão considerava que ela excedia em beleza o que a história já tinha averiguado e isso justificava a sua divulgação:
  • «Maior que Guilherme Tell, o herói nacional da Suíça, ele ergue-se sobre todos os seus rudes contemporâneos como a mais heróica e cavaleirosa figura no drama do nascimento de Portugal».


jdact e cortesia de openlibrary 

Um herói de acção, que acompanha o herói fundador da nacionalidade na busca da independência. A exigência de cultivar o sentimento patriótico da continuidade nacional e a necessidade de alimentar a memória histórica para que se investisse na redenção da Pátria percorrem o espírito de Cortesão. A coerência do seu percurso, enquanto escritor, historiador e cidadão, é pontuada pela incorporação constante destes sentimentos e ideias. O que o singulariza é a forma como a consciência histórica determina a sua conduta cívica e a forma como integra a sociedade do seu tempo. Assim, o recurso ao drama histórico não representa uma aventura ocasional, ele constitui uma «espiga da mesma seara».
Estes dramas tiveram, a crer nas palavras de Cortesão, um êxito considerável junto do público. Na sua noite de estreia em Lisboa o primeiro dos dramas «obtém um triunfo retumbante e dá azo a uma grande manifestação patriótica, amplamente justificada pelo tema e pelo momento de exaltação nacional que então decorria». “Egas Moniz” é representado pela primeira vez no antigo Teatro República, em Lisboa, no dia 9 de Janeiro de 1919, estreado num momento político conturbado, alcança igualmente grande êxito. A plateia aplaude o dramaturgo e elogia a sua coragem e patriotismo pela participação no esforço de guerra. A crer neste testemunho podemos inferir que as intenções que determinaram a escrita destes dramas teriam tido alguma concretização. O reduzido acesso à leitura neste período torna as manifestações teatrais momentos privilegiados de vulgarização cultural e, neste caso, de divulgação da história nacional, ainda que pelo recurso ao lendário, sem que sejam descuradas as intenções de verosimilhança. O teatro, a par de outras iniciativas, assumiu lugar de destaque no comemorativismo de finais do século XX, consagrado à memória dos grandes homens e de épocas ou acontecimentos notáveis da história nacional.


Cortesia de amazonca 

A conjugação da narrativa dramática e da representação com os cenários, o guarda-roupa e a música permitiam criar um clima de emotividade propício à transmissão das mensagens contidas no texto. O cuidado com a encenação é aliás revelado na carta de Ricardo Jorge a Jaime Cortesão, aquando da preparação da representação do seu primeiro drama.
Sugere que o autor faça algumas alterações ao texto original, devido ao elevado número de personagens, de forma a viabilizar a sua representação. Esta exigência relaciona-se com motivos técnicos, mas ilustra também a escassez de meios com que se debatiam as companhias de teatro neste período.
Quanto à eficácia da intencionalidade reflexiva, pedagógica e patriótica junto do público ela é, por escassez de documentos, muito difícil de determinar. Conhecemos a opinião favorável de alguns críticos que assistiram à representação, que podemos registar mas não generalizar. Até porque é difícil caracterizar o perfil socioeconómico e cultural do público que frequentava o teatro e que assistiu às suas peças. De considerar ainda que as peças foram apenas representadas em Lisboa e no Porto, e por isso deduzimos que o seu impacto junto da população de outras regiões tenha sido reduzido ou mesmo nulo. O próprio Cortesão refere, anos mais tarde, que o êxito da peça foi circunstancial, justificava-se pelo contexto em que foi representada, as ansiedades do público e a própria temática histórica que a obra versava. No entanto, valoriza a sua actualidade em termos de intenções e objectivos:
  • «(...) por bem pago nos daríamos se conseguíssemos transmitir ao leitor actual um pouco do entusiasmo heróico, da aspiração ideal, da fé no homem, com que pretendemos animar a nossa primeira obra de teatro e que, hoje como ontem dão valor e dignidade à Vida».
In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, ASA Editores, Setembro de 2004, ISBN 972-41-4002-4, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006.

A amizade de ENT
Cortesia de Edições ASA/JDACT