D. João II
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«E adiante, quando fala das crónicas que Rui de Pina escreveu sobre os reis da primeira dinastia, observa que ‘em muitas partes tem semelhança de estilo com as de Fernão Lopes’, acrescentando depois que o texto das crónicas de D. Duarte e D. Afonso V daquele mesmo autor pertence quase sempre a Fernão Lopes e a Azurara. Góis lança, pois, sobre Pina a culpa de furtador, acusação esta que Herculano aceitou.
Na “Crónica do Príncipe” já Góis não fala das crónicas da primeira dinastia, atribuídas a Fernão Lopes, ainda que continue a fazer para as restantes a insinuação de que houve furto. Aquelas deveriam ter constituído, segundo as próprias palavras de Fernão Lopes, o primeiro volume da sua história. Devemos separá-las, pois, das restantes, as únicas que interessam ao nosso estudo.
Algumas razões nos levam ainda a fazer esta separação. Conta Góis, transcrevendo uma carta de João Róis de Sá, alcaide-mor do Porto, que as crónicas dos reis passados se tinham perdido em poder de Fr Justo, bispo de Ceuta, que Afonso V mandara vir de Itália para lhas verter em latim, e quando ele morreu de peste em Almada. Acrescenta além disso que João II mandou entregar a Rui de Pina umas crónicas dos reis antigos, que existiam em poder dum tal Fernão de Novais. Mas Pina já antes de 1490 fora encarregado do ofício de cronista por João II e o bispo Justo ainda em Abril de 1493 era vivo. Notemos igualmente que foi Manuel I quem, segundo Góis, encarregou Rui de Pina de escrever as crónicas dalguns dos reis da primeira dinastia e que o documento em que João II em 1490 concede uma pensão a Rui de Pina reza assim:
- «esguardando ao trabalho e à ocupação grande que Rui de Pina escripvão da nossa câmara tem com o carrego que lhe demos de escrepver e assentar os feitos famosos asy nossos como de nossos regnos que ‘em nossos dias são passados e ao deante se fizerem…»
Ora o escrivão da câmara de João II, que o serviu nalgumas das suas embaixadas e conhecia os segredos da política nacional:
- “não podia escrever sobre os feitos dos dias, isto é, da vida do monarca, diminuindo e escondendo em grande parte, como fez, a obra dos Descobrimentos, sem ajustar nesse ponto pela mesma apertadíssima craveira as crónicas dos reis anteriores que igualmente versavam a empresa nacional”.
Podemos separar assim os desaparecimentos das crónicas não só no que toca à primeira e à segunda dinastia, como à missão de Pina no reinado de João II e no de Manuel I.
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O mesmo Góis acaba por separar um do outro facto, pois na “Crónica do Príncipe D. João”, a última publicada, se refere apenas ao desaparecimento das crónicas da segunda dinastia, relacionando-as desta vez e apenas com os Descobrimentos.
Notemos ainda que a grave acusação de Góis a Rui de Pina é claramente confirmada por Barros no que toca às crónicas de Duarte e Afonso V, de Azurara:
- «’e porque cada um não perca seu trabalho’, também escreveu a crónica deste rei Afonso até à morte do infante Pedro e a crónica del rei Duarte seu padre, as ‘quais Rui de Pina que o sucedeu no ofício fez suas, pelo que emendou’ e acrescentou nelas principalmente na del rei Afonso, acerca das cousas que passaram depois da morte do infante Pedro».
O exame das mesmas crónicas de Rui de Pina, comparadas com a de João II, que é inteiramente sua e com as que foram escritas por Azurara, nos confirma na opinião de que Pina se apropriou do trabalho daquele.
Como explicar então o “furto” de Rui de Pina?
Será que ele, corvo de João II, como Herculano insinuou, se quisesse apenas enfeitar com as penas de pavão dos anteriores cronistas? É crível que ele assumisse tamanha responsabilidade, exactamente na época em que o relato dos feitos “emendados” interessava a muitos dos seus autores ou descendentes e quando existiam por certo muitos possíveis denunciantes desse furto? NÃO; segundo cremos, só o sigilo oficial sobre os Descobrimentos pode explicar o estranho facto (243)». In Jaime Cortesão, A Expansão dos Portugueses no Período Henriquino, Portugália Editora, Lisboa 1965.
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