Cortesia de darteparte
“Dês o primeiro dia que com a vista e experiência própria me acabei de sesenganar do grande erro que até alli me trazia a fama das cousas da Índia… me nasceu logo um desejo ardentíssimo de fazer por esta via um grande e extraordinário serviço”. In Rodrigues da Silveira, Reformação da Milícia e Governo do Estado da Índia Oriental.
D. Francisco de Almeida
«Em 13 de Setembro do ano de 500 chegou Cabral a Kalikodu. Não ia, como Vasco da Gama fora, como descobridor; ia como embaixador, à frente de uma poderosa armada, para não ser tomado por pirata, mas sim pelo emissário, que era, do nobre monarca português, portador das suas cartas e propostas de aliança para o rajá de Kalikodu. Como tal foi recebido, numa audiência solene. Os portugueses, vestindo as suas melhores roupas, as suas armas mais belas e polidas, pensavam impor de ricos ao monarca do Oriente; mas os representantes da pobre e forte Europa iam ficar deslumbrados com as magnificências da Índia opulenta. O brilho das armaduras era ofuscado pelo rutilar da pedraria «cujas chamas impediam a vista».
O rajá vinha em um palanquim ou andar trazido aos ombros pelos nobres, recostado sobre almofadas de seda, entre colchas lavradas de fio de ouro caindo em pregas franjadas com borlas cravejadas de pedras preciosas, e panos de cárbaso de linho finíssimo, cuja alvura sorria ao lado da vermelhidão sanguínea das sedas e brocados.
Corria a compasso o andor coberto por um palio de seda franjado de ouro, e dentro deste duplo sacrário via-se o rajá negro rutilante de pedras preciosas. Cegava olhá-lo. Aos lados do palio iam pajens com leques de penas de pavão agitando o ar, e à beira do palanquim os que levavam as insígnias da soberania: a espada e a adaga, o estoque de ouro, a flor de liz simbólica, o gomil de água, e finalmente a copa onde o rei cuspia o bétele, cujo mascar faz os dentes cor-de-rosa e dá «muito bom bafo».
Cortesia de newmon
Em toda a volta e prolongando-se na cauda da procissão, charangas de músicos atroavam o ar com os seus tambores, com os tantãs de prata e de ouro, suspensos por cordéis em bambus altos, com as trombetas enormes, umas rectas, outras curvas, levantadas para o ar, e que davam aos músicos o aspecto de elefantes com trombas douradas, cujos pavilhões se viam cravejados de rubis e esmeraldas.
Vinha uma grande trompa de ouro levada por dois homens a cavalo! Os músicos, negros, iam nus, com manilhas nos braços e nas pernas, e à cinta um pano cobrindo as vergonhas. Nus iam os naires e mais tropas do rajá, esgrimindo aos saltos em pírricas singulares, parecendo atacados de fúria com as suas armas variadas; alfanjes curvos para os golpes de cutilada, espadas largas e pontiagudas para as estocadas, espadas triangulares com o vértice nos copos e na ponta a base espalmada, arcos e molhos de frechas de bambu delgado, lanças com anéis tilintantes e guizos, correndo, saltando e gritando em brados: «Cucuya!» como na hora das batalhas. Mais ao largo, o povo mudo, numa impassibilidade de orientais, olhava.
Cortesia de f5dahistoriawordpress
A recepção do embaixador fez-se no ‘çarame’ do rajá, à beira-mar, pavilhão de forma oitavada erguido sobre esteios, todo rendado de varandas e lavores, marchetado de marfim, chapeado de prata e ouro em folhas, com pináculos e coruchéus que se desenhavam levemente no fundo azul do céu, tão azul como o do mar onde fundeava a esquadra de Pedro Álvares Cabral. Na longa praia apinhavam-se as choças dos pescadores e galeotes e por entre elas a multidão negra, espantada. Para o interior avistava-se a cidade, com os palácios e jardins do rei, dos nobres e dos ricos, docemente abrigados contra o Sol inclemente pela sombra dos palmares e dos bosques de árvores aromáticas. No meio de um turbilhão de gritos de guerra, de sons de trombetas, o cortejo encaminhou-se para o palácio do rajá.
Aí o Samorim estava sentado sobre o velo preto, insígnia da realeza, no seu trono de prata com braços de ouro e as espaldas cravejadas de rubis, diamantes e esmeraldas, no meio da sua corte, recostado em macias almofadas de seda, sobre fofos tapetes da Pérsia, sonolento e imóvel. Negro, nu, um véu de linho branco descia-lhe em pregas desde o umbigo até os joelhos, com a ponta caída e nela enfiados anéis de ouro e rubis. Os dedos, os braços estavam cobertos de anéis e manilhas. Das orelhas caíam arrecadas de ouro cravejadas; à cintura trazia um cinto de ouro. Ao pescoço colares roliços, de ouro também; e duas voltas de um fio de pérolas, grandes como avelãs, que desciam até ao umbigo, suspendiam um enorme coração de ouro encastoando a mais bela, a maior esmeralda (217)». In J. P. Oliveira Martins, História de Portugal, A Viagem da Índia, Guimarães e Cª Editores, 16 edição, 1972.
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT