Cortesia da cmbarcelos
História breve de uma longa espera
Adiante!
«Nessa conferência, apresentei novos dados e aspectos que em 1946 me eram desconhecidos, e resumidamente expus aquilo a que chamei, e chamo ainda “uma grande hipótese". Entretanto, ao mesmo tempo que novos materiais continuavam a aparecer-me, inclusive para a fundamentação dessa hipótese, ia notando que alguns investigadores, que haviam tomado conhecimento do meu artigo de 1946, encontravam, também eles, um ou outro desses novos materiais. Além disso, ia-me dando conta do natural e grande interesse manifestado pela dita Câmara e também, mais recentemente, pela Junta de Freguesia de Milhazes, com relação ao principal objectivo da minha inquirição:
- quatro meses depois daquela conferência, em reunião camarária de 22.06.1971, foi atribuído a uma rua de Barcelos o nome de D. João Garcia de Guilhade; e no ano de l992, em edição da mesma Câmara, vinha a lume ‘parte substancial’ de uma ‘dissertação de mestrado em Língua e Literatura Portuguesas’, dissertação essa na qual se visava ‘sobretudo estabelecer o corpus poético de João Garcia de Guilhade com a justificação do texto fixado", ao mesmo tempo que, ‘complementarmente’, se procedia ‘a um estudo linguístico e literário das cantigas, procurando enquadrar o trovador no seu tempo e espaço’.
Quanto à Junta de Freguesia de Milhazes, tem sido bem notório o seu empenho, entusiasmo e activa colaboração. Acompanhou-me, por exemplo, em várias indagações toponímicas, não só em Milhazes e no Noroeste de Portugal, mas também na Galiza, compensando-me assim, de algum modo, o fracasso da minha primeira incursão toponímica naquela freguesia, em 1946...
Finalmente, a 20 de Outubro do corrente ano de 2001, realizou -se na casa do Povo de Milhazes uma sessão literário--musical promovida pela Câmara Municipal barcelense e pela Junta de Freguesia de Milhazes. O respectivo programa incluiu, além da conferência que então proferi, subordinada ao mesmo título da presente obra, uma parte musical cujo primeiro número foi a interpretação de uma letra de D. João Garcia de Guilhade musicada por Frederico de Freitas.
Cortesia de cmbarcelos
De salientar, ainda, que, imediatamente antes da sessão e nas imediações da Casa do Povo, foi descerrada uma inscrição em pedra, indicativa do ‘Lugar de Guilhado’, e a lápide com o nome do «Largo Dom João Garcia de Guilhade».
Patriotismo, bairrismo e história
Melhor do que ninguém a exprime o abalizado mestre de literatura portuguesa medieval, Rodrigues Lapa, quando escreve:
- «Ainda hoje é difícil, a não ser num ou noutro caso isolado, tratar a fundo da personalidade dos trovadores. Para isso é indispensável que haja edições rigorosamente críticas dos principais autores e que se investigue nos arquivos portugueses, galegos e espanhóis o possível noticiário sobre a vida de cada um, tarefa ainda por fazer».
Talvez não seja inteiramente inútil nem inoportuno advertir que as razões verdadeiramente ponderáveis, em estudos como este, são as frias razões de ordem puramente histórica, e nunca a paixão patriótica ou bairrista, muito embora possam as conclusões lisonjear esse sentimento, em si legítimo. Não será este, pois, mas será o respeito pela verdade, que fará discordar de quem tem atribuído naturalidade galega ao poeta. Secundando estas últimas linhas, referentes ao patriotismo e ao bairrismo, outras me ocorrem, de Herculano:
- ‘O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é o péssimo conselheiro do historiador’.
E mais directamente em relação à matéria, lembro a maneira como José Joaquim Nunes se pronunciou sobre a naturalidade de um outro poeta medieval, Pêro de Ver, sobre se ele teria visto ‘a luz do dia em Galiza, se em Portugal’ «eu inclino-me antes a crê-lo oriundo de cá, não por patriotismo, que em questões destas deve ser totalmente posto de parte».
Cortesia de cmbarcelos
Mas, perguntar-se-á, a paixão patriótica ou bairrista não poderá ter alguma coisa a ver, positivamente, com estudos deste género?
Julgo que sim, mas sob uma condição: que a sobredita paixão seja sempre moderada pela ‘paixão da verdade’. E não será descabido, a este propósito, lembrar o que pensava a este respeito um dos espíritos mais sistemáticos de todos os tempos, por sinal, contemporâneo do nosso trovador.
A verdade, o conhecimento da verdade, é ’um bem apetecível e amável e deleitante’; e pode sê-lo ainda mais, pode ser apaixonante, quando o objecto do conhecimento nos é especialmente querido, por exemplo, quando se trata de investigar, conhecer, alguém ou algo com o qual estejamos peculiarmente relacionados por alguma ligação pessoal, familiar, regional, nacional...
Mais, quando escasseiam os meios de entrar ou progredir no conhecimento do objecto ou assunto, nesse caso, já dizia Aristóteles, um pouco de luz, que venhamos a lançar sobre essa matéria menos acessível, traz-nos mais prazer do que o suscitado pelo esclarecimento de matérias mais acessíveis ou fáceis. Podemos, pois, dizer que o amor, a paixão, promove a investigação, o conhecimento da verdade, em vez de nos limitarmos a repetir os provérbios segundo os quais ‘a paixão cega’, o amor é cego». In António da Costa Lopes, O Trovador Guilhade e a sua Terra de Origem, Câmara Municipal de Barcelos, 2003, DLegal nº 196982/03.
Continua
Cortesia da CM de Barcelos/JDACT