quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Carla Alferes Pinto: A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista. Parte VIII. «Foy conduzido o cadaver na Tumba da Irmandade da Misericordia, da qual era Irmãa como dispozera no seu Testamento, acompanhado de todas as Cornmunidades Religiosas, e o Clero de todas as Freguesias. Fechava todo este funebre acompanhamentro senhor D. Antonio, sobrinho da Infanta defunta, com toda a Nobreza do Reyno»

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«D. Leonor morreria logo a seguir, a25 de Fevereiro de 1558, deixando a filha como herdeira universal de todos os seus bens. D. Maria sobrevive dezanove anos à mãe morrendo no dia 10 de Outubro de 1577, depois de fazer o testamento onde dispôs as suas últimas vontades. Os melhores relatos dos seus últimos dias, tardios, mas baseados sem dúvida em fontes da época, são os dos cronistas Barbosa Machado e José Pereira Baiao:
  • «Finalmente querendo Deos premiar tantas virtudes, e seruiços a elles feitos lhe mandou por Embaixador huma enfirmidade de opilaçaõ, de que adoesceo no mez de Março nas cazas, em que vivia junto a Santa Apolonia; e sendo achaque leve, que se podia curar facilmente, naõ se quiz pòr em cura, nem tomar certas bebidas, que lhe receitàraõ; e sendo chamados os melhores Medicos do Reino, nenhum a pode persuadir a tomar remedios pela boca. De que elles para sua defeza fizeraõ seus protestos, e tiràraõ Certidoens de como a dita Senhora se naõ queria curar de huma enfermidade, que qualquer idiota a podia curar, quanto mais taõ doutos homens, que lhe assistiaõ. E assirn foy a doença correndo seu curso atè Agosto, em que peyorou, por cuja causa a rnandàraõ os Fisicos hir para os Paços do Castelo; e foraõ logo feitas muitas Procissoens de Preces a Deos nosso Senhor por sua saude, assim em Lisboa, como em todo o Reyno pelo muito que era amada por todos;mas como ella perseverou em naõ receber remedios pela boca, chegou a estado, que se entendeo, que brevemente morria, e dizendo-o os Medicos ao Cardeal, seu irmaõ, teve Concelho se lho diriaõ, para que tratasse de sua alma, e concordàraõ que sim; e foy-lho dizer o seu Confessor dando-lhe este desengano em terçafeira 8 do mez de Outubro, [...]; porèm como humana, composta de materia fragil, qaando lhe deraõ esta noticia desacorço-ou. [...].

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  • Assistiraõ à sua morte o cardeal, seu irmaõ, e o arcebispo de Lisboa d. Jorge de Almeida; e o Doutor Foreiro, seu Confessor, e outros diversos prelados, que a sintiraõ muito, e todo o Povo gèralmente derramando muitas lagrimas, pela muito que lhe víviaõ obrigados, pois era mãy piadosa de todos os necessitados, e porque viaõ hir-se acabando a descendencia Real, e o Reyno pondo-se em desamparo, conjecturando jà de tudo isto as desgraças, que se hiaõ aparelhando ao Reyno. Dali foy no mesmo dia à noite levada ao Mosteiro da Madre de Deos na Tumba da Santa Misericordia, de que era Irmãa, como ella pedio, acornpanhando-a a mesma Irmandade, como a lrmãa, e bemfeitora sua, e assirn mais todas a Communidades, Freguezias, Irmandades, e Confrarias da Cidade de Lisboa; e de traz da Tumba hia o senhor D. Antonio, sobrinho desta Senhora com toda a Fidalguia da Corte. Foy conduzido o cadaver na Tumba da Irmandade da Misericordia, da qual era Irmãa como dispozera no seu Testamento, acompanhado de todas as Cornmunidades Religiosas, e o Clero de todas as Freguesias. Fechava todo este funebre acompanhamentro senhor D. Antonio, sobrinho da Infanta defunta, com toda a Nobreza do Reyno. Depositado o corpo no Capitulo do Convento da Madre de Deos das Religiosas da primeira Regra de Santa Clara, situado no suburbio de Lisboa, se celebraraõ solemnes exequias no dia seguinte, a que assistiraõ ElRey D. Sebastiaõ, e o Cardeal D. Henrique com a Fidalguia Portugueza.

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Só cerca de vinte anos mais tarde os ossos da infanta D. Maria foram trasladados para a. sua capela-mausoléu da Luz, numa cerimónia rica e solene na qual participaram os mais altos representantes do governo e nobreza portugueses, e de que temos notícia por uma Notícia do Convento da Madre de Deus:
  • [esteve a Infanta] muitos annos no Cappitulo, e quando a ouveraõ de levar pera nossa sra da Luz, nos mesmos tiramos os ossos e os limpamos, em huas olandas, e os metemos em hum cofre de tella de prata com preguadura dourada, e do Cappitulo os levamos pera o choro, aonde a velamos huma noite com muitas oracoiñs lagrimmas e saudades das velhas, que a conheceraõ. E o dia seguinte a entregamos na porta do convento aos governadores que a vieraõ buscar com toda a nobreza desta Cidade e Camera, com muitos officiais de justica e o cabido, quando se fez esta entregua cantamos um responso, e a freira que o comessou se abalou tanto de choro, que todos os sircunstantes se moveraõ e edificaraõ aos quais se deu hua Certidaõ assinada pellas Relligiozas que tiraraõ os ossos em que afirmavaõ Serem os proprios da Infante D. Maria.
In Carla Alferes Pinto, A Infanta dona Maria de Portugal, o Mecenato de uma Princesa Renascentista, Fundação Oriente, 1998, ISBN 972-9440-90-5.

Cortesia da Fundação Oriente/JDACT