Cortesia de monumentos
Castelo de Elvas. Notícia Histórica
«Mais ainda que o Castelo de Silves, já restaurado pela DGEMN, o Castelo de Elvas é na realidade, com posição e domínio de acrópole, a parte mais nobre, o principal baluarte de outro castelo mais vasto: a própria cidade.
Esta, «situada em lugar eminente e forte por natureza, fortalecida de muros e torres firmes, ornada de grandes edifícios e habitada de gente nobre e rica», como a viu o cronista Fr. António Brandão no século XVII, ainda hoje conserva, com foros de povoação fronteiriça, o antiquado e severo aspecto de uma urbe medieval.
Obra de Portugueses, na sua feição actual, qual a sua genealogia construtiva? Quem juntou algum dia, naquele lugar, as mal talhadas pedras da primeira obra de defesa? Os celtiberos? Esses vagos «helvécios» que, cerca de um milénio antes de Cristo, teriam descido das altas brenhas dos Alpes, como alcateia de lobos famintos? Ou simplesmente os Romanos, que, no tempo de Marco Helvio, primeiro governador militar da conquistada Espanha ulterior, conforme atesta Tito Livio, ali edificaram um dos numerosos castros destinados a consolidar a sua ocupação? Verdadeiramente, ninguém o sabe. A tudo quanto se tem escrito, e até afirmado com dogmático entono, sobre a primitiva história de Elvas e das suas fortificações pré-portuguesas, não pode atribuir-se mais segura base que a necessária a qualquer hipótese defensável.
Entre os vestígios da ocupação romana, que ali têm aparecido até hoje, em diversas épocas (cipos, túmulos, inscrições, moedas, etc,), nenhum se encontrou que de qualquer modo aclarasse as dúvidas naturalmente suscitadas pelos estudiosos em meio da incerteza geral, e o mesmo se pode dizer acerca do domínio godo, que, aliás, quase não deixou memória da sua passagem naqueles arredados lugares. Assim, apenas em uma lápide ali abandonada pelos invasores árabes se refere que a edificação do Castelo data do tempo em que Al-Mançor, o mais famoso dos seus chefes militares no século X, devastava triunfantemente a Espanha cristã. Edificação ou reedificação? A segunda conjectura é, em verdade, a mais aceitável.
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Tudo nos convence, com efeito, de que os Mouros, quando iniciaram a sua avassaladora marcha para o norte da Península, no primeiro quartel do século VIII, já ali encontraram, talvez esboroadas durante a ocupação visigótica, algumas fortificações romanas de relativa importância.
Entretanto, pode crer-se deveras que era mourisco, e porventura já várias vezes “repairado” pelos Mouros que o defendiam, o Castelo que D. Afonso Henriques tomou em 1166, quando levou ao Alentejo a sua infatigável actividade de conquistador e cristianizador. Nos anos que se seguiram, em poder dos novos senhores, a disputada fortaleza não chegou a mudar de feição, pois os muçulmanos, ainda muito poderosos no sul e no leste da Península, não se conformaram com a perda da povoação que ali tinham fundado com o nome de Jelch.
E assim, 60 anos depois, em 1226, quando o jovem rei D. Sancho II a tomou definitivamente, foi ainda o mesmo castelo, aquele que os Mouros invasores haviam construído, o que defendeu dos «Nazarenos» as tribos ali enraizadas ao longo de quase cinco séculos.
É provável que, desde essa época até o reinado de D- Dinis, nenhuma obra importante houvesse modificado sensivelmente a sua estrutura ou a sua configuração. Com efeito, sendo certo que nunca foram alteradas por qualquer desentendimento grave, nos reinados de D. Sancho II e D. Afonso III, as relações entre a coroa portuguesa e a castelhana, deviam crer-se desnecessárias as precauções bélicas que mais tarde sempre existiram naquela zona fronteiriça. Só decorridos longos anos, quando o «Rei lavrador» declarou guerra a seu cunhado D. Sancho IV de Castela, se cuidou de consolidar e talvez completar as velhas fortificações mouriscas. Deve datar, portanto, desse tempo, a primeira reedificação “portuguesa”, ou antes a primeira das grandes obras militares que ali realizaram os Portugueses em diversas ocasiões de perigo ou alarme.
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Expulsos os Mouros de quase toda a península, o progressivo fortalecimento dos reinos cristãos não podia deixar de agravar, como de facto agravou, a rivalidade que sempre existiu entre Portugal, orgulhoso da sua forte unidade nacional, e Castela, a sua poderosa e não menos orgulhosa vizinha. Esta última, tendo absorvido o velho reino de Leão, já então aspirava, impacientemente, à hegemonia peninsular. Assim, as novas guerras que depois se acenderam entre os dois reinos, durante os governos de D. Afonso IV, D. Fernando e D. João I, aumentaram consideravelmente a importância de Elvas, como guardiã por excelência da fronteira do Guadiana. E é certo que, bem fortificada e bem defendida, sempre cumpriu com honra, e por vezes com glória, a sua difícil missão. Em 1336, durante a guerra entre o nosso D. Afonso IV e o rei de Castela, D. Afonso XI, seu sobrinho, este último tentou debalde tomar a praça de Elvas e, enraivecido por sucessivos reveses, devastou barbaramente, à semelhança dos Mouros do século X, todos os campos e povoações dos arredores. Trinta e três anos depois, durante uma nova guerra, a de D. Fernando com D. Henrique II de Castela, um cavaleiro célebre na história das pugnas locais, Gil Fernandes de Elvas, assolou do mesmo modo, por seu turno, e talvez como tardia represália, a parte mais vizinha da Estremadura castelhana.
Este cavaleiro, que ainda pelejou contra Castela no tempo do Mestre de Avis, pode considerar-se deveras o mais prestigioso paladino da bravura e da fé patriótica dos elvenses do passado. É um herói que aparece, com glória de semi-deus, em quase todas as tradições ou lendas locais». In Castelo de Elvas, Boletim da DGEMN, nº 54, Monumentos, 1948.
Cortesia de DGEMN/IGESPAR/JDACT