Artilharia Naval.
«Embora a utilização de peças de artilharia nos navios tenha tido início no século XIV, só durante o século seguinte é que a sua utilização se generalizou. Essas peças eram, inicialmente, feitas de barras de ferro forjado, moldadas de forma cilíndrica, de modo a formar a alma, mantidas na posição por aduelas circulares, também de ferro. Nesta altura, as suas munições, os pelouros, eram de pedra – granito ou calcário.
As peças utilizadas no mar eram normalmente de carregar pela culatra – retro-carga –, utilizando câmaras também de ferro forjado e montadas em reparos de madeira, inicialmente sem rodas e, mais tarde, com duas rodas. As peças de menor calibre também podiam ser montadas em forquilhas, que permitia uma grande mobilidade quando montadas na borda dos navios, tornando-as muito eficazes contra o pessoal que se encontrava no convés dos navios adversários.
O facto das peças carregarem pela culatra, permitia, que tivessem um maior ritmo de fogo, porque cada peça tinha, normalmente, várias câmaras. Devido aos fumos que libertavam na zona da culatra, estas peças eram, normalmente, só montadas no exterior dos navios.
A partir dos meados do século XV, dá-se um grande desenvolvimento nas técnicas de fundição, que permitem que se passem a fundir peças de artilharia de bronze, de grande qualidade, que chegam a estar em utilização por mais de 100 anos. Em Portugal, foi D. João III que desenvolveu essas fundições e também realizou experiências com artilharia embarcada em caravelas.
A introdução de peças em bronze fez aparecer inúmeros tipos de peças, com diversos calibres, tendo, em Portugal, cada uma a sua nomenclatura própria, normalmente retirada da morfologia animal, como camelo, cão, leão, etc..., por vezes, representados na própria peça, assim como outras decorações, mas cuja posição variou ao longo dos anos. Essa vasta variedade de tipos acarretava grandes dificuldades logísticas, porque mesmo as com o mesmo nome tinham, normalmente, peso e calibre diferentes.
Quanto à construção de peças fundidas em ferro, que tinha menores custos, mas também menor longevidade que as peças de bronze, só se tornaram comuns na Europa, nos finais do século XVI. Devido à complexidade da técnica de fundição, Portugal, por exemplo, só no século seguinte e, só numa fundição em Macau, é que produziu canhões desse tipo, em quantidade. Face ao seu menor custo, eram preferencialmente utilizadas a bordo dos navios de comércio ibéricos.
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Nos inícios do século XVI, surge uma invenção que vai iniciar as grandes alterações a nível da guerra no mar, que é a invenção das portinholas, que permitiu que as peças de maior calibre deixassem de disparar só a partir de aberturas na borda do convés principal, para passarem a disparar de cobertas mais baixas, conseguindo deste modo que as peças atirassem contra a zona da linha de água dos navios adversários e, em simultâneo baixar o centro da gravidade dos navios, aumentando-lhes deste modo a sua própria estabilidade.
A introdução das peças de artilharia fundidas, levou à repartição em dois tipos principais, em função do pelouro que disparavam – de pedra ou de ferro.
As primeiras, normalmente referidas como pedreiros, poderiam ainda dividir-se em peças de menor calibre, mais utilizadas contra pessoal e com carregamento pela culatra, montados em forquilhas – berços e falcões - e peças de maior calibre – camelos, canhões pedreiros, etc....
Quanto às segundas, estas também poderiam ser divididas em dois sub-tipos principais, que eram os canhões e as colubrinas, marcando-se a destrinça entre eles nas diferentes relações entre o calibre e o comprimento do cano da peça: as colubrinas tinham um maior comprimento do cano em relação ao calibre da peça, tendo, consequentemente, um maior alcance que os canhões.
As peças de maior calibre, independentemente de atirarem pelouros de pedra ou de ferro, eram carregadas pela boca, e, no caso de Portugal e, até meados do século XVII, altura em que passaram também a usar reparos de 4 rodas, encontravam-se montadas em reparos possivelmente muito semelhantes aos que ainda hoje é possível se observarem no forte de S. Julião da Barra. Os ingleses, já desde meados do século XVI, que utilizavam reparos com 4 rodas pequenas, na maioria das suas peças. Ambos os tipos de reparos tinham, neste período, vantagens e desvantagens quando comparados.
No que se refere ao pessoal que manejava as peças, a bordo dos navios da Coroa de Portugal, cada peça de maior calibre tinha um artilheiro atribuído (chamado na época por bombardeiro), que eram auxiliados nas manobras da respectiva peça por outro pessoal do navio – soldados ou gente de mar (marinheiros, grumetes e/ou pajens). O pessoal bombardeiro era comandado por um condestável, que respondia somente perante o capitão de mar do navio. As naus da Carreira da Índia, por não serem navios combatentes, só levavam bombardeiros para guarnecer as peças de um bordo em simultâneo, sendo esse pessoal também comandado por um condestável.
Os outros navios mercantes, que actuavam nas rotas comerciais para a Flandres ou para as ilhas, e que normalmente eram de tonelagem bastante inferior à das naus da Carreira da Índia, pouco se sabe do armamento que levavam a bordo ou o número de bombardeiros. Apenas uma parca informação chegou até nó, através de legislação promulgada por D. Sebastião, em 1572, onde tentava estabelecer armamentos mínimos para esses navios, numa tentativa de diminuir o número de perdas por acções de corsários». In Augusto Salgado, Instituto Camões.
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