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O Desígnio do Infante.
«A nomeação, no ano seguinte, de 1416, do infante D. Henrique como governador de Ceuta, representa para nós o traço essencial de ligação entre esse primeiro acto aos que vão seguir-se. É sabido que na iniciativa e organização da tomada de Ceuta, João Afonso, o vedor da fazenda de D. João I, tomou parte essencial. Pois no segundo acto da grande empresa, o reconhecimento da Madeira em 1418, vai por capitão e a mandado do Infante, segundo as crónicas, João Gonçalves Zarco, neto de João Afonso, conforme rezam os nobiliários. Isto nos permite supor que ao primeiro passo em as navegações não fosse estranho o mesmo poderoso ministro que sugerira o acto de conquista, inicial, segundo nexo, pois, entre um e outro.
É em 1421, segundo Azurara, que começam as tentativas anuais de descobrimento ao longo da costa de África, seguidas em 1424 do primeiro ensaio de conquista das Canárias. A quem possam afigurar-se demasiadamente longos os intervalos de tempo entre estes vários actos, para que se admita entre eles continuidade, temos de lembrar que a falta de preparação técnica e as dificuldades financeiras do Estado, agravados com a ocupação de Ceuta, tornavam inevitáveis as delongas. Assim, só em 1431 deve ter começado o reconhecimento do arquipélago dos Açores.
Cabe aqui pergunta:
- quando na mente dos governantes surgiu o pensamento de alcançar a Índia?
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Supomos que muito cedo, aquando o projecto de Ceuta ou pouco depois. Vemos que as tentativas ao longo da costa de África não tardaram em seguir-se. Com que fim? É, à luz da vastíssima cultura geográfica do Infante que temos de encarar a questão. De que ele procurasse alcançar os centros produtores do oiro, não pode duvidar-se. Nas cartas da escola de Maiorca, o mestre Jaime deve ter entrado ao serviço do Infante pouco depois de 1420 (segundo G. de Reparaz Júnior), figurava o baixel de Ferrer em demanda do rio do Ouro, e sabemos, pelo «Libro del Conoscimiento», quanto esse pensamento era comum ao escol peninsular. Uma e outra fonte de culfura sugeriam igualmente, principalmente a última, a viagem através da África até o reino do Preste João. Mas como não surgir do mesmo passo o pensamento de alcançar a Índia, se a cartografia de então com a forma triangular da África o sugeria igualmente e havia mais dum século que os Genoveses o haviam tentado realizar? Se a bula de 1454 já não permite dúvidas quanto a esse propósito, outros factos, a nosso ver, atestam anteriormente a sua existência. Antes de mais nada, tratava-se do magno problema do comércio europeu, como já vimos. Lisboa, empório cosmopolita onde formigavam mercadores das nações mais interessadas no tráfico levantino, escala desse comércio, e porto por excelência da Europa para as viagens transoceânicas, possuía eminentes condições para a compreensão e solução desse problema.
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Também, na corte de D. João I e D. Filipa de Lencastre, não faltavam entusiasmo e fé católica capazes de entender, no plano meramente religioso, as vantagens, tantas vezes apregoadas, de combater a hegemonia muçulmana no oceano Índico.
Estes problemas eram de há muito debatidos pelo escol europeu; nestas circunstâncias, arrojo e fantasia fora supor que não se estudassem na corte tão culta de D. João I, quando as Espanhas haviam tão largamente contribuído para criar aquilo a que chamamos «a teoria da expansão geográfica da Crístandade».
Na «Crónica da Guiné», de Azurara, não obstante ter chegado até nós mutilada, como provámos no nosso estudo «Do Sigilo Nacional sobre os Descobrimentos», ainda assim quedou o rasto de que esse pensamento preocupara o Infante, desde os primeiros passos na empresa. No capítulo VII da sua crónica enumera Azurara as cinco razões que levaram o Infante a enviar navios à conquista da Guiné e são:
- aquela que diríamos de interesse científico («por aver de tudo manifesta certidam»);
- a da interesse comercial;
- a do interesse militar, isto é, conhecer o poderio dos Mouros naquelas partes;
- de interesse religioso.
Não se esqueça que o Infante mostrou sempre a maior solicitude pelo desenvolvimento da agricultura nas terras da Ordem de Cristo, de que foi governador; pelo desenvolvimento e criação de indústrias, como a da pesca, a da moagem, a do coral, a do fabrico do açucar e finalmente da tinturaria e que mostrou o maior zelo na exploração comercial das terras descobertas». In Jaime Cortesão, A Expansão dos Portugueses no Período Henriquino, Portugália Editora, Lisboa 1965.
Cortesia de Portugália Editora/JDACT