quarta-feira, 20 de julho de 2011

Páginas Desconhecidas: O Golpe Militar de 19 de Maio de 1870. «Portugal vai ter menos liberdade talvez, mas a mesma incúria, a mesma falta de ciência e consciência. Pior que um rei constitucional, só há um rei faccioso por fraco. Pior que um governo inepto, só há um governo inepto e tirano. É hoje, mais que nunca, o momento de ver na República a única salvação desta crise»

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O Golpe Militar de 19 de Maio de 1870 e a Ditadura de Saldanha. A Situação Política.
«Em 1851, a revolta de Saldanha, a princípio gorada, mas em breve triunfante pela adesão dos antigos setembristas abre o período da Regeneração, que realizou a pacificação política com a reforma da Carta Constitucional e iniciou os melhoramentos materiais, que desenvolveram a economia do país. A morte de D. Maria II favoreceu a possibilidade de terminação das contendas políticas que fossem até à guerra civil, e a regência de D. Fernando foi exemplar no ponto de vista constitucional. Chegando à maioridade D. Pedro V, não foi alterado o statu quo desta situação  de equilíbrio saldanhista, e só em Junho de 1856 se formou um ministério presidido pelo duque de Loulé, em que reapareceu a tendência setembrista, sob a designação de partido histórico, em breve reforçado por antigos cabralistas, dos quais o mais notável foi António d'Ávila. Em Março de 1859 o partido regenerador sucede no poder ao partido histórico. A 11 de Novembro de 1861 morre D. Pedro V.

O sistema parlamentar acabou em Portugal. Os representantes da nação não representam nunca nem as aspirações nem a vontade do país. Os governos caiem rodeados de uma maioria imensa, e caiem por impopulares. O rei vê antes a vontade do povo na coroação dos ambiciosos, do que na representação nacional. Onde está a opinião do país? Nas Câmaras? Porque é então que o rei demitiu o ministério? No duque de Saldanha? Porque é que então o país deu maioria ao governo?
Nós estamos vivendo numa mentira coberta de púrpura.

Cortesia de poliscopio 

Não há sistema parlamentar, porque os parlamentos apenas sancionam as ditaduras, como apenas representam a influência das autoridades sem consciência, ao serviço dos que possuem as chaves do tesouro. Não há ditadura ilustrada, porque os pequenos homens sem ideias intrigam, não reformam e não governam. Não há realeza irresponsável, porque, quando o rei estremece e chora ao menor ruído de sedição, quando a assinatura régia é uma chancela, à mercê dos ambiciosos atrevidos, quando o rei, que devia representar a lei serena, superior, forte na vontade do povo, ajoelha trémulo perante a guarda do seu palácio, para que lhe empolguem o governo do país a troco do sossego e das festas, quando os aventureiros encontram no trono o já agora eterno D. João VI da monarquia portuguesa, então a nação, em nome mesmo da sua Carta Constitucional, faz responsável o rei, não tanto pela sua fraqueza de guarda do código fundamental, como de ser a capa de uma mentira e o sustentáculo interessado de uma situação falsa. Acabou o sistema parlamentar. Caiem os governos imbecis, e sobem os governos ineptos.
Portugal vai ter menos liberdade talvez, mas a mesma incúria, a mesma falta de ciência e consciência. Pior que um rei constitucional, só há um rei faccioso por fraco. Pior que um governo inepto, só há um governo inepto e tirano. É hoje, mais que nunca, o momento de ver na República a única salvação desta crise.

Cortesia de almocrevedaspetas 

Os homens sem ideais, os homens com ambições pessoais, os reis que são a capa rasgada de uma constituição absoluta, devem por uma vez arredar-se do caminho, pigmeus que dividem sobre o corpo de uma nação adormecida os bocados dum manto de velhos dourados, para que a nação toda caminhe ao poder e tome o lugar que lhe compete, govrnando-se a si mesmo, expulsando os mercadores do templo, arredando os que não podem com o peso das responsabilidades e alargando plena, completa - a Liberdade, a Federação e a República (214). De A República, 1870, nº 2». In J. Oliveira Martins, Páginas Desconhecidas, O Golpe Militar de 19 de Maio de 1870 e a Ditadura de Saldanha, Seara Nova 1948, Lisboa.

Cortesia de Seara Nova/JDACT