terça-feira, 5 de julho de 2011

Vasco Mouzinho: Santa Isabel, Rainha de Portugal. Parte 2. Canto III. «Isabel despede-se de D. Pedro, seu pai, e de Aragão, sua pátria; efeitos da presença de Isabel durante a viagem a Portugal»


Cortesia de artvalue
Santa Isabel, Rainha de Portugal
Canto III:
(Continuação)

«Isabel despede-se de D. Pedro, seu pai, e de Aragão, sua pátria; efeitos da presença de Isabel durante a viagem a Portugal.

Cortesia de ascoisassaocomosao

Canto Terceiro
Por onde vai de graças mil semeia
E de mil glórias novas orna a terra,
De verde esmalte veste a triste areia
E os duros abrolhos lhe desterra;
Mais pura vai da clara fonte a veia
E mais ufana se levanta a serra;
Aqui para caminho se abre o monte,
Aqui se passa o rio a vau sem ponte.

Os animais das ásperas montanhas
Nos altos precipícios aparecem
E, perdidos por ver cousas tamanhas,
Para as estradas e caminhos decem.
Mostra o bravo leão brandas entranhas
E os tigres de seu furor se esquecem;
O cervo atento os olhos nunca tira,
Como se na espessura a frauta ouvira.

A cada passo nasce nova gente
Que os ditosos caminhos cobre e cega,
Como se Cadmo andara, dente e dente,
Semeando os irmãos que ao ferro entrega.
O lavrador da mão larga a semente
E o pastoÍ ao gado o pasto nega,
Acha o pastor despois medrado o gado,
O lavrador o campo semeado,

Qual, quando, por mìlagre ou caso, passa
De Arábia deserta ao nosso clima
Aquela que, de geração escassa,
Encende a sepultura e morre em cima.
Não há ave que às nuves se não faça
Por verem a que tanto o mundo estima,
Deixando os bosques mudos e desertos,
Fechando os ares que estão sempre abertos.

Dourava o Sol os campos de Trancoso
Onde Dinis aquele tempo estava,
Quando outro Sol, mais belo e mais fermoso,
C'üa nova manhã por ele entrava.

( ... )

Vasco Mouzinho, in «Discurso sobre a vida, e morte de santa Isabel Rainha de Portugal e
outras várias rimas, Lisboa 1596».
 
Cortesia de FCGulbenkian/JDACT