quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Bela Poesia: Jorge de Sena. «... que a mesma ansiedade, já esquecida, de novo recomeça. Mas quem há-de contrariá-la? Eu não, que não me iludo: Viver é isto, quando se é só vida»


Cortesia de duroferoamor e oqueeuleio

In Memoriam de JLT 

Exactidão
Levam as frases sentido
que uma cadência lhes dá:
sentido do não-vivido
a que fica reduzido
o que, escolhido, não há.

Do imo do poder ser,
onde o não-sido se arrasta,
ouvi cadências crescer:
vaga música de ter,
na vida, quanto não basta
quanto um sentido se entenda,
que nem verdade ou mentira.
Que o que dele se aprenda
é como cobarde venda
para que a luz nos não fira.

Luz sem luz, brilho da treva
que tudo no fundo é;
e a certeza que se eleva
do fundo da própria treva,
de exacta que seja, é.

Levam justiça consigo
as palavras que dissermos.
Por quanto sentido antigo,
nelas ficou por castigo
o futuro que tivermos.

Levam as frases sentido
que uma cadência lhes dá.
É justo, injusto - o escolhido?
Como quereis que, vivido,
ele não seja o que será?
Jorge de Sena
 
Ser
Cansada expectativa tão ansiosa
que ser só eu na minha vida espalha!
Na longa noite em que se tece a malha
do que não serei nunca, fervorosa
minha presença rútila e curiosa
arde sombria como um arder de palha,
curiosa apenas de saber se goza
o voar das cinzas quando o vento calha
lá onde o levantá-las é verdade.
Inutilmente se mistura tudo,
que a mesma ansiedade, já esquecida,
de novo recomeça. Mas quem há-de
contrariá-la? Eu não, que não me iludo:
Viver é isto, quando se é só vida.
Jorge de Sena
 
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