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Manuel
I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497)
«(…) Pouco mais se sabe da
comunidade muçulmana de Lisboa durante o século XII. O cronista inglês Roger de
Hoveden conta que cruzados ingleses, de passagem por Lisboa a caminho da Terra
Santa em 1190, atacaram os pagãos e judeus, servos do rei, que residiam na cidade.
Uns anos mais tarde, em Maio de 1198, urna carta enviada pelo Papa Inocêncio
III ao prior e cónegos do mosteiro de Santa Cruz em Coimbra indicava que estes
últimos tinham ao seu serviço funcionários muçulmanos. A conquista do Algarve,
na primeira metade do século XIII, trouxe aos reis de Portugal mais territórios
e súbditos muçulmanos. Afonso III e o seu filho Dinis I (1279-1325) concederam
forais especiais às comunidades muçulmanas de Silves, Loulé, Tavira e Faro em 1269,
Évora em 1273, e Moura em 1296. Estes forais eram quase idênticos ao concedido por
Afonso Henriques um século antes.
Existem poucos dados sobre as
condições efectivas sob as quais muitas cidades ou zonas rurais e seus
habitantes muçulmanos passaram para o domínio português. As raras crónicas que
descrevem as conquistas portuguesas registam apenas a tornada violenta de cidades
e descrevem o repovoamento, por colonos cristãos, de cidades arruinadas e terras
abandonadas. O relato da violência da reconquista portuguesa, contudo, não deve
ser exagerado. Os actos deliberados de violência e as chacinas foram, aparentemente,
a excepção e não a regra. A presença de cruzados do Norte da Europa, imbuídos do
espírito das cruzadas, pode certamente explicar a violência demonstrada em Lisboa
(1147) e Silves (1189). Em Lisboa, Afonso Henriques estava, na verdade, a negociar
a rendição pacífica da cidade com os seus representantes quando os cruzados,
desconfiando das intenções portuguesas e ansiosos pelo saque, assaltaram e pilharam
a cidade. Tanto quanto se sabe, as forças portuguesas foram responsáveis por apenas
dois massacres: Santarém em 1147 e Aljezur em 1248. O facto de o autor anónimo quatrocentista
da crónica dos cinco reis de Portugal ter considerado importante mencionar a
chacina dos habitantes muçulmanos (na sua maioria desarmados) de Aljezur pelos cavaleiros
de Santiago apenas vem salientar que tais atrocidades não eram ocorrências
habituais.
A conquista portuguesa do Gharb al-Andalus
não foi uma guerra de extermínio. É certo que a linguagem usada por cronistas
portugueses para se referirem ao conflito sugere que este era entendido pelos
contemporâneos como sendo de natureza política e não religiosa. Na verdade, os
conquistadores tinham perfeita consciência das dificuldades de levar colonos
cristãos para os territórios conquistados e de que precisavam de efectivos
muçulmanos para preservar as suas conquistas. Algumas zonas muçulmanas passaram
para o domínio cristão sem grande resistência. Segundo o autor inglês de De expugnatione
Lyxbonensi, uma testemunha do cerco de Lisboa, os habitantes de Sintra, em
1147, entregaram o seu castelo e submeteram-se ao rei. Durante a conquista do Alentejo
e Algarve, é igualmente evidente que muitas praças-fortes muçulmanas foram entregues
aos cristãos, aparentemente com pouca ou nenhuma oposição. Um cronista
muçulmano anónimo do século XIV em Marrocos chegou mesmo a denunciar a entrega a
cristãos de muitas praças por Ibn Mahfuz, o último soberano de Niebla. Uma
hipótese avançada recentemente, embora baseando-se em provas extremamente escassas,
é a de uma conversão em massa ao cristianismo por parte da população muçulmana
conquistada em Portugal entre 1270 e 1320». In François Soyer, A Perseguição
aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN
978-972-441-709-7.
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