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«(…) Mas ela é, lá está, muito
incompleta; da inscrição, ornada por uma menorah gravada, não resta senão a parte
inferior, comportando uma datação em língua e calendário latinos: die quar[ta
n] onas octo[bri]s era DXX, o que corresponde a 4 de Outubro de 482. O costume
de redigir as inscrições funerárias em língua hebraica só se difundiu quatro
séculos mais tarde. Assim, os dois epitáfios hebraicos encontrados em Espiche,
perto de Lagos, tidos durante muito tempo como o mais antigo vestígio judaico
em Portugal, não podem manifestamente datar do século VI como o pretendem os
manuais, pois o seu vocabulário é nitidamente característico da Alta Idade
Média.
Durante a primeira década do
século IV, os bispos ibéricos, reunidos em concílio em Elvira, perto de
Granada, tentaram impedir práticas que parecem testemunhar uma boa vizinhança
entre judeus e cristãos: estes últimos, clérigos e laicos, deixavam-se convidar
para os festins dos judeus; um costume consistia mesmo em fazer benzer os
campos por um adepto da Lei de Moisés. O concílio insurgiu-se em particular
contra o facto de judeus viverem maritalmente, ou em concubinagem, com cristãs.
Essa interdição sugere que a diáspora judaica não ficou à margem da mistura
étnica da época romana, provocada designadamente pelo tráfico e a libertação de
escravos.
Antes de se impor o princípio talmúdico
da transmissão matrilinear da pertença ao judaísmo, um judeu podia facilmente
fazer entrar na sua comunidade uma companheira estrangeira ou, pelo menos, os
seus filhos comuns. A oposição do clero a essas uniões mistas está na origem de
uma rivalidade sexual, que reencontraremos frequentemente. Uma lenda de Mérida
sobre Santa Eulália, datando da Baixa Antiguidade, revela-nos um judeu ardiloso
a tentar converter à sua fé uma jovem cristã: graças a um milagre, por fim é
ele que é convertido ao cristianismo. A hostilidade que esta lenda evidencia, realçada
talvez por um autor medieval, não reflecte fielmente a atitude dos lusitanos da
época face aos judeus. No século VI, o bispo Massona estatuiu expressamente
sobre o facto de estes últimos não deverem ser excluídos das boas obras do
hospital que ele fundara em Mérida.
Se a invasão dos visigodos,
partidários da doutrina anti-trinitária de Ario, permitira um certo relaxamento
da pressão eclesiástica, esta foi retomada assim que a monarquia voltou ao
catolicismo, com a conversão do rei Recaredo, em 587. Em 613, o rei Sisebuto
esteve na origem da primeira tentativa de forçar os judeus peninsulares a escolher
entre o baptismo e a emigração. Mas a desordem interna do reino visigodo e a venalidade
da sua aristocracia permitiram, mesmo aos baptizados à força, a prática mais ou
menos clandestina da sua antiga religião. A perseguição culminou com o 17.º concílio
de Toledo, em 694, quando os judeus e criptojudeus, que permaneceram no reino,
foram colectivamente declarados culpados de conspiração com o inimigo
muçulmano, reduzidos à escravatura e repartidos entre senhores cristãos, que
lhes deveriam inculcar o Evangelho. É provável que estas medidas brutais tenham
suscitado uma certa simpatia dos judeus oprimidos pelos árabes.
No Gharb dos Árabes
Se não houve nenhuma aliança
judeo-muçulmana antes da invasão árabe, já o mesmo se não deu no curso da
conquista. Quando em 711 as tropas do general Tariq atravessaram o estreito, os
judeus de Málaga refugiaram-se em Granada; mas, uma vez alcançados pelos invasores,
entenderam-se com eles e foi-lhes confiada a guarda da cidade. Na sequência de
Tariq, Musa ibn Nusair, cujo exército era relativamente pouco numeroso,
empregou sistematicamente esse meio de controlo das populações cristãs. Os
judeus, párias de ontem, detinham assim por um momento a administração militar
dos centros urbanos da Península, incluindo os do actual Alentejo. É o que nos
informa um cronista cristão, o arcebispo Rodrigo Jiménez de Rada, que menciona um
contingente judaico trazido da Andaluzia por Musa, a fim de o estacionar na
cidade de Beja, conquistada em 713». In Carsten L. Wilke, História dos Judeus
Portugueses, 2007, Edições 70, 2009, ISBN 978-972-441-578-9.
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