Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Vozes
transmitiram a notícia de que uma mulher tinha tentado matar o amante. Não foi
isso que aconteceu. Lord Sebastian arrancou o que restava da manga e usou o
retalho para comprimir a abertura grande e escura que tinha no braço. Alguém
entrou. Um ladrão. Tentei defender-me e ele atacou-me. Na luta, a pistola
disparou. É uma história improvável, disse o estalajadeiro, entredentes. Questiona
a minha palavra de cavalheiro?, perguntou lord Sebastian, ameaçador. Não
questionarei nada, senhor. Vou deixar isso ao magistrado, se não se importar.
Pode contar do ladrão audaz que entrou num quarto ocupado, simplesmente para
atirar e fugir sem dinheiro. O estalajadeiro dirigiu a Audrianna um olhar de
desdém. Quer que mande alguém a Brighton buscar um cirurgião, senhor? Ou esta
mulher consegue cuidar do ferimento enquanto espera pelo juiz de paz?
Fico com a sua palavra do cavalheiro que realmente é de que vai ficar e não
fugir. Lord Sebastian tirou o farrapo e olhou para o braço.
Tem
a minha palavra. Conseguimos tratar da ferida. Mande trazer água fresca e um
trapo limpo. Além do mais, a senhora vai precisar de um quarto para ela, para
passar a noite, por isso trate de providenciá-lo. Os outros quartos estão
ocupados, e não vou mandar ninguém sair para alojá-la. Nem quero essa mulher
perambulando pela minha propriedade depois do que ela fez. Não tenho tempo para
ficar de carcereiro, por isso deixo também isso a seu cargo. Ficarei com a sua
palavra também a respeito disso, de que a manterá por perto e se certificará de
que ela permaneça aqui até o juiz de paz chegar. Que assim seja, então, já que
insiste. Agora pode ir embora. Foi uma ordem calma, mas com uma autoridade tal
que o estalajadeiro se voltou imediatamente para a porta. Na saída, as pessoas
começaram a dispersar, abrindo caminho. Você também, Hawkeswell, indicou lord
Sebastian. Preciso de privacidade. Peço também a sua discrição, não que espere
que seja de grande ajuda. Deve compreender. Concedo ambas de bom grado. Também
tenho uma camisa a mais na minha bagagem. Vou mandar para você. Fez uma pequena
mesura a Audrianna e saiu do quarto seguindo o estalajadeiro.
Lord
Sebastian fechou a porta para afastar os retardatários que persistiam em espiar
perto da ombreira da porta. Em seguida aproximou-se do fogo e examinou mais
atentamente o ferimento. Por que ficou tão preta?, perguntou Audrianna. Pólvora
quente. A bala só me tocou de raspão, mas fiquei bem chamuscado. Voltou-se para
ela. O seu nome. Preciso dele agora, e não pense em mentir. O juiz de paz o
arrancará de você com certeza, e nem pense que vou continuar sem saber o que se
passa aqui. Ela estava assustada e consternada demais para mentir. Sou
Audrianna Kelmsleigh, filha de Horatio Kelmsleigh. Ele ficou perplexo. Vi uma
mensagem no jornal de alguém que se autointitulava Dominó e parecia ser para o
meu pai, explicou ela. Eu vim, para ver se o homem tinha informação que pudesse
limpar o seu nome. Tudo aquilo havia parecido tão certo, tão necessário, no dia
anterior. Porque está aqui?
Também vi
o anúncio, e também tive esperança de falar com o tal Dominó. Porquê? Meu pai
está morto. O mundo seguiu em frente. Acho que há algo mais nessa história. Não
vejo como poderia obter informações do Dominó fingindo ser o próprio Dominó. A
minha intenção era fingir ser o Kelmsleigh. Quando presumiu que eu era Dominó,
decidi entrar no jogo e descobrir quem era aquela mulher inesperada, e que
papel desempenharia no esquema geral. Esquema geral? Então alguém abriu a
porta. Uma criada trouxe uma bacia e um balde de água. Colocou alguns panos
limpos sobre a cama. Um cavalheiro pediu-me que trouxesse também esta camisa,
explicou, colocando-a de lado. Deu uma boa olhadela a Audrianna e saiu
apressada. Lord Sebastian pôs o balde perto do fogo. Sentou-se na cama, despiu
o colete e depois tirou a camisa rasgada. Fez uma careta de dor quando o tecido
roçou na ferida. Audrianna piscou os olhos repetidamente, espantada mais um
vez. Aquele homem não tinha nada que o cobrisse. Estava ali sentado, preocupado
com o ferimento, sem roupa, meio nu na verdade. Não parecia achar nada estranho
que ela estivesse sentada ali mesmo ao lado dele.
Nunca
vira um homem sem camisa. Tentou fingir uma indiferença espontânea, mas não
pôde evitar reparar que, se uma mulher tinha de ver um homem meio nu pela primeira vez na vida, lord Sebastian
não era um mau começo. Já não era rapaz, mas ainda possuía a firmeza ágil da
juventude, que não interferia nos músculos que definiam o peitoral. Vou
precisar dessa cadeira, miss Kelmsleigh.
Se não se importar. Ela soltou-a num salto. Ele agarrou o móvel pelo encosto,
posicionou-o à frente da lareira e sentou-se. Com a água
quente e sabão, começou a limpar o corte que tinha no braço. Supunha que aquilo
devia doer, mas ele não mostrava reacção alguma.
Talvez não estivesse tão indiferente à sua presença como parecia». In Madeline Hunter, Deslumbrante,
Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.
Cortesia de EASA/JDACT