quinta-feira, 8 de junho de 2017

O Pecado e a Honra. Maria João Câmara. «Passearia apenas nos claustros, pouco, e, quando parisse a criança, se esta tivesse a sorte de sobreviver, entregá-la-ia a Manuel»  

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«(…) A criada veio com a candeia e levou outra vez o distinto senhor pelo estreito e escuro corredor até à portinhola que ele abriu lentamente, passando para o jardim. E, depois, bastou o isolamento do sicómoro e o desejo abafado para desencadear um fogo de grandes e fortes labaredas. As mãos em sofreguidão, as bocas unidas num beijo longo, parecendo que nada nem ninguém poderia afastar os dois do caminho que trilhavam com paixão e prazer incontidos. Ai, senhor! Onde me levais? E encontravam-se nos campos de cevada onde Isabel colhia a hortelã e a erva azeitoneira. Onde a sombra da laranjeira cobria todos os desvarios e a flor enchia o ar com o seu perfume.
Não sei, meu amor. Nem eu sei! E encontravam-se no meio do pequeno bosque de sobreiros e azinheiras, onde o funcho e o tomilho escondiam os seus segredos. E, depois, mais um e outro encontro escondido e um desejo contínuo, e um roçagar de panos e fatos, a bela capa de veludo escarlate estendida no chão, o leve tecido de seda esvoaçando sobre a erva fresca na brisa quente do Verão. O prazer roubado à quietude do tempo, parado na marmelada branca e no toucinho-do-céu, no esmagar das amêndoas e no partir dos ovos. E novamente o esbofamento, a urgência e as fugas para os arvoredos próximos e para os esconderijos que os havia com fartura por entre as paredes do convento.
Isabel, meu deleite, meu prazer, minha adorada dama com olhos da cor do mar e do céu! Beleza eterna! Minha razão de viver! Manuel, nome tão doce de pronunciar, nome pelo qual me perco e me acho, nome que me fala de amor profundo e eterno, nome pelo qual sou indigna de pisar o chão da casa que me acolheu. Minha perdição!
A novidade não seria estranha. Isabel ficou prenhe e, depois dos primeiros enjoos que muito afligiram por desconhecimento da causa, a abadessa logo compreendeu o que se passava e manteve-a fechada na sua cela, protegendo-a das murmurações das outras mulheres. Não assistiria sequer aos ofícios. Passearia apenas nos claustros, pouco, e, quando parisse a criança, se esta tivesse a sorte de sobreviver, entregá-la-ia a Manuel, afinal seria seu o filho, e este mais não faria que a sua obrigação. Ele que o criasse ou mandasse criar! Que tivessem andado os dois a ruflar, que Deus Nosso Senhor os perdoasse ou castigasse, se assim fosse o caso. Sob a sua autoridade e dentro do seu convento não haveria vergonhas e muito menos crianças, a afligir e a acrescentar despesas e trabalhos que eram já volumosos». In Maria João Câmara, O Pecado e a Honra, Oficina do Livro, Leya, 2012, ISBN 978-989-555-830-8.

Cortesia de OdoLivro/JDACT