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«(…) Isto é o que parece confirmar
mais uma das múltiplas deslocações de João Peculiar a Roma, desta vez na sequência
da morte de Afonso VII, relembremos que precisamente nessa altura Afonso Henriques
também se tinha deslocado em missão diplomática à corte de Fernando II, decerto
para tirar algum proveito do desaparecimento do imperador das Hispânias. Não descansando,
e aproveitando todas as ocasiões possíveis para defender a sua causa, o arcebispo
de Braga acabaria por receber um privilégio do papa Adriano IV onde o pontífice
lhe conferia grandes vantagens em relação aos anteriores. Mas os dias de grande
actividade do quezilento arcebispo de Braga estavam a chegar ao limite. Dentro em
pouco, a doença haveria de o confinar a Braga, onde o encontramos em
permanência a partir de meados da década de 60. A sua última deslocação a Roma data
de 1163, data a partir da qual a deterioração da sua saúde parece tê-lo impossibilitado
de prosseguir como até então. Viria a falecer em1175, sucedendo-lhe Godinho, a quem
caberia a honra de finalmente conseguir o reconhecimento que ele nunca tinha conseguido,
para um rei que também já não lutava pela expansão da fé como antes do infortúnio,
de 1169. As vidas do primeiro rei e seu arcebispo parecem ligadas por um estranho
paralelismo que os impossibilitou fisicamente, a partir desse momento dramático,
quase como se o final da década de 60 marcasse de facto uma mudança radical para
o jovem reino de Portugal.
A questão entre Braga e Toledo pode
ter sido violentíssima nos anos centrais das décadas de 50 e 60, mas desvaneceu-se
nos finais dessa década, quase com a mesma facilidade com que tinha surgido.
Mesmo se Alexandre III, consubstanciando a política dos seus antecessores, emitiu
várias bulas que reafirmavam o direito de Toledo ao primado, especialmente em 1166
e 1172, o teor moderador e moderado em que esse reconhecimento era feito acabaria
por transformar a dignidade primacial num mero adorno honorífico. Nenhum dos contendores
parece ter dado muita importância ou dramatizado esse alegado esvaziamento, e o
primado passou praticamente a apenas obrigar os restantes arcebispos a uma reverência
nominal ao toledano, reservando-se o apelo e a dependência directa para Roma. Decerto
isto acontecia porque a situação política era já completamente diferente da que
presidira às décadas anteriores, e porque a perda de influência dos reis castelhanos,
na sequência da morte de Afonso VII e subsequentes dificuldades sucessórias, faziam
girar o pêndulo da influência política de novo para o lado leonês. Fernando II e
depois Afonso IX iriam ser os grandes apoios das pretensões de Compostela, de onde
recrutavam os seus conselheiros e os seus chanceleres, escribas e notários. Todo
este contexto não é, decerto também, alheio ao facto de, logo na década de 70 desse
século, e especialmente depois da morte de João Peculiar, em 1175, as contendas
entre Braga e Compostela terem tomado o lugar da anterior querela nos corredores
da cúria pontifícia.
De
agora em diante serão elas o grande motor de dissensão entre os reis e os arcebispos
de Leão e Portugal. Mas esta viria a ser uma questão já para o novo e futuro rei
vir a tratar. E decerto o infante, que desde 1169 seria chamado a ter uma participação
cada vez mais directa nos negócios do reino, não pode ter sido mantido à parte de
tantas e tão importantes quezílias, de tantas e tão frequentes alterações em
vectores tão intrincadamente unidos e sensíveis como a política régia e a política
eclesiástica. Estes mesmos homens que vemos participar tão activamente na construção
e consolidação de um reino nascente não podiam descurar a preparação do único infante
varão sobrevivente a partir de 1164. Nem a necessidade absoluta que tinham de garantir
que este jovem potencial futuro monarca crescia da forma certa e lhes garantia
os apoios e as orientações que mais lhes convinham. Neste intento se empenhavam
decerto todos na cúria, nobres e eclesiásticos. E os dramáticos acontecimentos de
1169, com a imediata alteração do contexto político circundante, iriam bem cedo
demonstrar a pertinência destas preocupações». In Maria João Violante Branco, Sancho I,
O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN
978-972-759-978-3.
Cortesia de Bertrand/JDACT