quarta-feira, 7 de junho de 2017

Sancho I. O Filho do Fundador. Maria Violante Branco. «Neste ponto, a sua actuação aproximava-se muito da de Afonso, o senhor seu rei, que também reinou de facto, durante quase quarenta anos…»

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«(…) Por tudo isto, a questão da legitimação do rei e do reino, e do seu reconhecimento, andava muito ligada aos progressos da questão do primado, especialmente a nível diplomático. Assim, embora o propósito mais visível das visitas de João Peculiar à cúria pontifícia pareça ter sido quase sempre o de resolver as questões ligadas com as querelas jurisdicionais com Toledo ou com Compostela, não se pode evitar de reparar que quase todas as suas deslocações a Roma parecem ter obedecido como que a um padrão rítmico que se coordena de forma bastante significativa com os progressos político-militares e territoriais do seu rei. Em 1144, quando o pedido de vassalagem tinha sido entregue na cúria, ele apresentou aí o pagamento correspondente do censo e recebeu a carta de protecção para Afonso Henriques; quando, em 1148, se deslocou a Roma para justificar a sua não obediência a Raimundo de Toledo, decerto aproveitou para reportar a conquista de Lisboa e a restauração de Lamego e Viseu, recebendo uma confirmação pontifícia das sufragâneas de Braga; em 1157 e em 1163 também apresentou sempre mensagens de submissão e vassalagem por parte do rei, apesar de se ter deslocado a esses encontros para responder sobre a sua contumácia em obedecer ao primado de Toledo.
Braga reivindicava a total independência em relação a Toledo, a quem disputava ainda os direitos do primado, por pretender ter direito a usar esse título, com base na anterioridade da posse desse estatuto, que alegava ter usado desde tempos anteriores à própria restauração da diocese de Toledo. Mas a evolução da querela demonstra à sociedade que a interferência das esferas políticas nesta questão não deixava ao acaso o desfecho deste assunto. Ainda em 1150, João Peculiar, na sequência de mais uma suspensão, acabara por ir mesmo a Toledo, prestar obediência ao arcebispo dessa metrópole como a seu primaz, por uma e única vez. O documento onde se regista este acto menciona que o rei Afonso Henriques enviara o arcebispo português a Toledo com o seu próprio filho primogénito, Henrique, que teria então 3 anos, e que Afonso VII, por seu turno, tinha enviado seu filho mais novo, Fernando, de 13 anos, causa reformandi pacis (para se acertar a paz), no que parece ser um encontro entre eclesiásticos com uma óbvia leitura política. Mas não parece ter estado na natureza deste prelado (ou, quem sabe, dos interesses da política portuguesa) manter tal estado de coisas, como sugere o facto de, logo em 1155, vir a ser suspenso mais uma vez, desta vez pelo cardeal Jacinto, legado papal à Península, por causa da sua recusa em comparecer ao concílio provincial convocado e presidido pelo imperador Afonso VII. Até final da sua vida, João Peculiar continuaria sempre a exercer a sua autoridade e a exercer o seu múnus arquiepiscopal como se nada afectasse a sua legitimidade para o fazer.
Neste ponto, a sua actuação aproximava-se muito da de Afonso, o senhor seu rei, que também reinou de facto, durante quase quarenta anos, exercendo a sua soberania sem limitações e como rei de pleno direito, sem ligar ao facto de, apesar de nunca ter deixado de lutar pela legitimação do seu poder pelo papa, apenas ter recebido o reconhecimento pontifício que lhe permitiria afirmar a sua identidade como rei e a existência do território como reino independente e indivisível em 1179, quando finalmente abula Manifestis probatum est lhe reconheceria esses direitos de iure. Apesar de ser verdade que se pode constatar que a questão do primado da Hispânia abrandou depois de várias bulas pontifícias através das quais Roma esvaziava o conteúdo real da detenção da dignidade primacial pelos arcebispos de Toledo, também não deixa de ser um facto que a questão apenas se esvaziaria de importância quando o poder político perdeu interesse em alimentá-la». In Maria João Violante Branco, Sancho I, O Filho do Fundador, Temas e Debates, Livraria Bertrand, 2009, ISBN 978-972-759-978-3.

Cortesia de Bertrand/JDACT