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Memória sobre a praça de Campo Maior com o jornal do sítio que principiou em 20de Maio de 1801 e terminou em 6 de Junho do mesmo ano (escrita por um oficial da guarnição)
«(…) O Castelo desta vila desempenhava
a solução de um problema contrário a todas as regras de fortificação, que vem a
ser: construir uma cidadela, no lugar mais levantado de uma Praça, de tal sorte
porém que apesar da altura das suas muralhas, e parapeitos fique sempre o seu interior
descoberto de toda a Campanha. Era contudo neste recinto onde se achava colocado
o grande armazém de pólvora, com um dos seus topos, em que se via rasgada uma janela,
exposto a ser batido pela Artilharia assestada em pequena distância da estrada
coberta: a humidade do seu solo havia apodrecido o assoalhado de madeira que ali
existia, e a grossura da sua abobada era incapaz de resistir ao choque das
bombas, e até mesmo das medianas granadas. Os outros armazéns destinados para deposito
dos petrechos, não estavam isentos dos mesmos inconvenientes, as suas portas parece
que de propósito tinham sido abertas fronteiras aos lugares mais próprios para a
colocação das baterias da Campanha, e de facto na ocasião do Sítio enfiaram por
elas muitas balas, uma das quais terminou a vida a um trabalhador, que ali se ocupava
na construção de um través. Todas estas circunstâncias obstavam à grande
vantagem de se poder daqui ministrar em todas as direcções uma segunda ordem de
fogo, e o estado de ruína das suas muralhas, o seu baixo perfil, a indefensa da
sua comunicação e a falta de abrigo para as Tropas e munições, não podia permitir
que neste lugar se envidassem os últimos esforços de uma pertinaz resistência.
Os Quartéis do Regimento da Praça,
além de insuficientes pela sua capacidade, estavam bastante expostos ao fogo direito
dos canhões, principalmente os do andar superior ou segundo pavimento; e a singeleza
das suas abobadas não dava a menor segurança aos defensores contra os tiros curvilíneos
dos obuses ou morteiros. Os de Cavalaria, muito mais descobertos que os primeiros,
e reduzidos a total ruína, ainda quando fossem bem reparados, seriam
inabitáveis em tempo de sítio. Somente as oficinas do Assento, as melhores de toda
a Província, se haviam construído debaixo das dimensões adoptadas nos edifícios
próprios das Praças de Guerra. Esta falta é bem para lamentar em quase todas as
nossas Fortalezas.
Enquanto às obras exteriores se fazia
notável a sua irregular disposição, e o abandono a que estavam condenadas pelas
suas danificações: a estrada coberta desmentia perfeitamente a sua denominação,
da esplanada apenas se conservavam alguns vestígios oferecendo a interrupção do
seu declive, diversos esconderijos, e o seu reconhecimento particular; não se divisava
contra-escarpa em quase metade do contorno da estrada coberta, por onde se descia
sem dificuldade ao fosso; o plano deste, se achava em diferentes níveis e em
muitas tenalhas pouco profundo, talvez pela dificuldade da sua escavação, por ser
em muitas partes aberto em roxa, ou tufo; de que resultava ser menos difícil a acessibilidade
das muralhas: os cinco revelins que nada cobriam, eram todos incapazes da menor
resistência; a sua comunicação com a Praça estava reduzida a uma única porterna;
as portas principais eram descobertas da Campanha até ao seu limiar; e a de
Santa Maria, nem mesmo recebia defesa de flanco, e estava colocada numa cortina
que formava dois ângulos mortos: a largura do fosso desta tenalha e da
contígua; as elevações irregulares nele compreendidas que mal deixavam distinguir
a configuração de antigas obras não revestidas; a ruína da próxima estrada
coberta, e os caminhos profundos que da Campanha adjacente, para esta parte se conduziam,
faziam muito arriscada numa surpresa, esta fraca comunicação para o interior da
praça.
Segundo os antigos sistemas de construir
as Praças nos terrenos irregulares, em que se avaliavam em grande conta as obras
destacadas, para ocupar com elas as alturas que a dominavam, se havia praticado
sobre a direcção da capital do baluarte da Fonte do Castelo, o Forte quadrado de
S. João Baptista, composto de três baluartes, e quatro cortinas, na distância
de tiro de fuzil do dito baluarte, o qual além de ser um dos mais salientes e atacáveis,
não tendo algum revelim nas tenalhas laterais, que pudesse cruzar o seu fogo sobre
aquela direcção, vinha por consequência a prestar muito pouco auxílio ao dito Forte,
que ficava reduzido a defender-se por si mesmo, o que lhe não permitia a capacidade
do seu interior, a falta de alojamentos, e a dificuldade de comunicação com a Praça:
todas estas razões unidas ao estado ruinoso das suas fortificações, em nada diminuíam
os inconvenientes deste vizinho padrasto». In António Ventura, O Cerco de Campo Maior
em 1801, Edições Colibri, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, 2001, ISBN
972-772-270-9.
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