segunda-feira, 5 de junho de 2017

O Cerco de Campo Maior em 1801. António Ventura. «Enquanto às obras exteriores se fazia notável a sua irregular disposição, e o abandono a que estavam condenadas pelas suas danificações: a estrada coberta desmentia…»

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Memória sobre a praça de Campo Maior com o jornal do sítio que principiou em 20de Maio de 1801 e terminou em 6 de Junho do mesmo ano (escrita por um oficial da guarnição)
«(…) O Castelo desta vila desempenhava a solução de um problema contrário a todas as regras de fortificação, que vem a ser: construir uma cidadela, no lugar mais levantado de uma Praça, de tal sorte porém que apesar da altura das suas muralhas, e parapeitos fique sempre o seu interior descoberto de toda a Campanha. Era contudo neste recinto onde se achava colocado o grande armazém de pólvora, com um dos seus topos, em que se via rasgada uma janela, exposto a ser batido pela Artilharia assestada em pequena distância da estrada coberta: a humidade do seu solo havia apodrecido o assoalhado de madeira que ali existia, e a grossura da sua abobada era incapaz de resistir ao choque das bombas, e até mesmo das medianas granadas. Os outros armazéns destinados para deposito dos petrechos, não estavam isentos dos mesmos inconvenientes, as suas portas parece que de propósito tinham sido abertas fronteiras aos lugares mais próprios para a colocação das baterias da Campanha, e de facto na ocasião do Sítio enfiaram por elas muitas balas, uma das quais terminou a vida a um trabalhador, que ali se ocupava na construção de um través. Todas estas circunstâncias obstavam à grande vantagem de se poder daqui ministrar em todas as direcções uma segunda ordem de fogo, e o estado de ruína das suas muralhas, o seu baixo perfil, a indefensa da sua comunicação e a falta de abrigo para as Tropas e munições, não podia permitir que neste lugar se envidassem os últimos esforços de uma pertinaz resistência.
Os Quartéis do Regimento da Praça, além de insuficientes pela sua capacidade, estavam bastante expostos ao fogo direito dos canhões, principalmente os do andar superior ou segundo pavimento; e a singeleza das suas abobadas não dava a menor segurança aos defensores contra os tiros curvilíneos dos obuses ou morteiros. Os de Cavalaria, muito mais descobertos que os primeiros, e reduzidos a total ruína, ainda quando fossem bem reparados, seriam inabitáveis em tempo de sítio. Somente as oficinas do Assento, as melhores de toda a Província, se haviam construído debaixo das dimensões adoptadas nos edifícios próprios das Praças de Guerra. Esta falta é bem para lamentar em quase todas as nossas Fortalezas.
Enquanto às obras exteriores se fazia notável a sua irregular disposição, e o abandono a que estavam condenadas pelas suas danificações: a estrada coberta desmentia perfeitamente a sua denominação, da esplanada apenas se conservavam alguns vestígios oferecendo a interrupção do seu declive, diversos esconderijos, e o seu reconhecimento particular; não se divisava contra-escarpa em quase metade do contorno da estrada coberta, por onde se descia sem dificuldade ao fosso; o plano deste, se achava em diferentes níveis e em muitas tenalhas pouco profundo, talvez pela dificuldade da sua escavação, por ser em muitas partes aberto em roxa, ou tufo; de que resultava ser menos difícil a acessibilidade das muralhas: os cinco revelins que nada cobriam, eram todos incapazes da menor resistência; a sua comunicação com a Praça estava reduzida a uma única porterna; as portas principais eram descobertas da Campanha até ao seu limiar; e a de Santa Maria, nem mesmo recebia defesa de flanco, e estava colocada numa cortina que formava dois ângulos mortos: a largura do fosso desta tenalha e da contígua; as elevações irregulares nele compreendidas que mal deixavam distinguir a configuração de antigas obras não revestidas; a ruína da próxima estrada coberta, e os caminhos profundos que da Campanha adjacente, para esta parte se conduziam, faziam muito arriscada numa surpresa, esta fraca comunicação para o interior da praça.
Segundo os antigos sistemas de construir as Praças nos terrenos irregulares, em que se avaliavam em grande conta as obras destacadas, para ocupar com elas as alturas que a dominavam, se havia praticado sobre a direcção da capital do baluarte da Fonte do Castelo, o Forte quadrado de S. João Baptista, composto de três baluartes, e quatro cortinas, na distância de tiro de fuzil do dito baluarte, o qual além de ser um dos mais salientes e atacáveis, não tendo algum revelim nas tenalhas laterais, que pudesse cruzar o seu fogo sobre aquela direcção, vinha por consequência a prestar muito pouco auxílio ao dito Forte, que ficava reduzido a defender-se por si mesmo, o que lhe não permitia a capacidade do seu interior, a falta de alojamentos, e a dificuldade de comunicação com a Praça: todas estas razões unidas ao estado ruinoso das suas fortificações, em nada diminuíam os inconvenientes deste vizinho padrasto». In António Ventura, O Cerco de Campo Maior em 1801, Edições Colibri, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, 2001, ISBN 972-772-270-9.

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