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«(…) Deixo de transcrever o
título completo do Jardim Ameno,
por ser muito longo. A transcrição chegaria a ocupar quase meia página. O
cartapácio, tal como chegou até nós, deve ter por base uma compilação de profecias,
organizada por um certo Pedreanes de Alvelos e dedicada por ele ao monarca Sebastião
I no dia 20 de Abril de 1636. Mas o copista ampliou a colecção, enriquecendo-a
de algumas alusões à aclamação de João IV. Como se lê na folha 126 do códice,
concluiu-se o traslado no dia 1 de Janeiro de 1650, em Goa, o que não impediu o
compilador de lhe acrescentar ainda alguns textos, entre eles, o do Juramento
de D. Afonso Henriques. O livro que, muito provavelmente, já desde o início
estava em poder dos jesuítas chegou às mãos de Henrique Carvalho, confessor do
rei João V, que em 1741 o deu de presente ao colégio da Companhia de Gouveia.
Aí foi sequestrado na época de Pombal como livro malicioso e pernicioso.
Felizmente, escapou ao holocausto que Pombal mandou fazer de tantos livros sebásticos.
O cartapácio transmite quase todas as profecias básicas da seita, se não sem
defeitos, ao menos, de maneira satisfatória.
O Catálogo das Profecias tem uma história menos complicada.
Foi organizado em 1809 por pessoa que nos é desconhecida. É uma colecção
riquíssima, que abrange mais de 475 páginas; mas, infelizmente, a qualidade dos
textos transcritos é muito desigual, e também encontramos nela algumas
repetições. Este códice é para nós de grande importância, porque, além de
transmitir quase todas as profecias básicas do sebastianismo, também conserva
muito material que data da época de Napoleão.
As profecias bíblicas
Em nenhum cartapácio encontramos
profecias bíblicas, apesar de serem as mais fundamentais de todas. Citam-nas
com grande regularidade os tratadistas, mas os organizadores de compilações
passam-nas em silêncio, sem dúvida porque elas se subentendem tacitamente e são
consideradas de conhecimento geral. Os tratadistas alegam frequentemente alguns
textos dos profetas Isaías e Ezequiel, que se referem à paz e harmonia
universal do reino messiânico, tema por eles, geralmente, combinado com a
restauração de Israel. Mais importante, porém, são os textos apocalípticos da Bíblia.
O género apocalíptico, que floresceu entre 200 a. C. e 200 d. C., descreve em
sonhos ou visões o combate decisivo entre Israel e os seus inimigos nos tempos derradeiros,
e o triunfo final do povo de Deus. A descrição faz-se por meio de figuras simbólicas
(Leão, Águia, Dragão, etc.), cujo significado vem a ser explicado, ou pelo próprio
profeta, ou por um Anjo, ou por Deus. Entre esses sonhos cumpre salientarmos os
do profeta Daniel (cap. 2 e 7), referentes aos quatro grandes Impérios que no
Próximo Oriente se sucederam e que a exegese tradicional identificava,
respectivamente, com o dos Assírios, o dos Persas e Medos, o dos Gregos
(Alexandre Magno) e o dos Romanos. O primeiro sonho representava os quatro
Impérios sucessivos na figura de uma estátua enorme, cuja cabeça era de ouro, o
peito e os braços de prata, o ventre e as coxas de cobre, e as pernas de ferro,
sendo de ferro também uma parte dos pés, mas de barro outra parte.
Desprendendo-se, de repente, duma
montanha, uma pedra feriu e despedaçou a estátua, crescendo até se transformar
numa grande montanha, que acabou por encher a terra inteira. Esta pedra deu, em
Portugal, origem ao Quinto Império, e à Fifth Monarchy entre os metodistas da Inglaterra. Eis
o comentário de Vieira: aquela
pedra […], que derrubou a estátua e desfez em pó e cinza todo o preço e dureza
de seus metais, significa um novo e Quino Império, que o Deus do Céu há-de
levantar no Mundo nos últimos tempos dos outros quatro. Este Império os há-de
desfazer e aniquilar a todos, e ele só há-de permanecer para sempre, sem haver
de vir jamais por acontecimento algum a domínio ou poder estranho, sem haver de conquistado ou destruído, como sucedeu […] aos demais.
Comentando
o segundo sonho de Daniel, o jesuíta interpreta-o no mesmo sentido. Merece
também atenção especial o chamado Livro
IV de Esdras, opúsculo apócrifo, redigido no fim do século I d. C.
por um judeu piedoso e falsamente atribuído a Esdras, o organizador da
comunidade religiosa dos judeus depois do cativeiro de Babilónia (século V a.
C.). Este livro, apesar de não canónico, gozava também entre os cristãos de
grande prestígio, a ponto de ficar incluído na edição da Vulgata Latina, à guisa de apêndice.
Nele se encontram algumas visões apocalípticas (cap. 11-13). Uma delas fala de
um Leão (o Messias), que porá termo ao reino injusto de uma Águia monstruosa (o
Império Romano) e estabelecerá um império de justiça até ao Juízo Final.
Escusado será dizermos que os sebastianistas viam no Leão e figura do Encoberto».
In José Van den Besselaar, O Sebastianismo História Sumária, Instituto
Camões, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Biblioteca Breve /Volume 110, Livraria Bertrand, 1987.
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