sexta-feira, 16 de junho de 2017

Melancia. Marian Keyes. «Ambos concordámos que nos havíamos apaixonado um pelo outro cerca de quinze minutos depois de nos conhecermos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Desculpe, deve achar que sou muito grosseira. Mal fomos apresentados e aqui estou eu contando-lhe as coisas terríveis que me aconteceram. Vou apresentar-lhe rapidamente o meu perfil e deixarei os detalhes para depois; por exemplo, se tivermos tempo para isso, vou contar como foi o meu primeiro dia na escola. Vejamos então. O que devo contar-lhe? Bem, o meu nome é Claire, tenho 29 anos e, como disse, tive o meu primeiro filho há dois dias (uma menina, com quase três quilos, lindíssima) e o meu marido (contei que o nome dele é James?) me comunicou, há cerca de vinte e quatro horas, que vem tendo um caso, já há seis meses, guarde essa, não é nem a sua secretária ou outra mulher charmosa do seu trabalho, mas com uma mulher casada que mora no apartamento dois andares abaixo do nosso. Incrível como isso soa mal! E não apenas tem um caso, mas quer divorciar-se de mim. Desculpe se estou sendo desnecessariamente frívola quanto a isso. Estou muito confusa. Dentro de um instante estarei chorando novamente. Ainda me encontro em estado de choque, assim acho eu. O nome dela é Denise, e eu conheço-a muito bem. Não tão bem quanto a conhece James, é óbvio. O terrível é que ela sempre pareceu tão boazinha.
Tem 35 anos (não me pergunte como sei disso), simplesmente sei. E, correndo o risco de parecer que falo por pura inveja e de perder a simpatia de quem me lê, a aparência dela é de quem tem mesmo trinta e cinco, é mãe de dois filhos e tem um bom marido (ou seja, bem diferente do meu). E, pelo que parece, saiu do seu apartamento e ele do dele (do nosso, melhor dizendo) e ambos se mudaram para um novo, em endereço secreto. Não é incrível?! Como se pode chegar a um drama desses? Sei que o marido dela é italiano, mas realmente não vejo nenhuma probabilidade de que ele mate o casal. É garçom, não é um mafioso; então, o que vai fazer? Envenená-los com pimenta do reino? Fazer com que entrem em coma, após tantos boa noite, senhores? Ou atropelá-los com o carrinho das sobremesas? Novamente pareço frívola. Mas não sou. Estou é com o coração partido.
Um desastre completo. Nem sei como devo dar o nome à minha filhinha. James e eu tínhamos discutido alguns nomes, ou, pensando retrospectivamente, eu os discutira e ele fingira ouvir, mas não decidimos nada. E agora pareço ter perdido a capacidade de tomar decisões. Patético, eu sei, mas o casamento é isso. Acaba com o nosso senso de autonomia pessoal! Mas nem sempre fui assim. Antigamente, eu tinha força de vontade, era independente. Agora tudo isso parece que foi há muito, muitíssimo tempo. Fiquei com James por cinco anos e estávamos casados há três. E, meu Deus, como eu amo aquele homem. Embora houvéssemos tido um início não muito auspicioso, a magia tomou conta de nós muito rapidamente. Ambos concordámos que nos havíamos apaixonado um pelo outro cerca de quinze minutos depois de nos conhecermos, e assim permanecemos. Ou, pelo menos, eu permaneci.
Durante muito tempo, nunca pensei que encontraria um homem que quisesse se casar comigo. Bem, talvez eu devesse amenizar isso. Nunca pensei que conheceria um bom homem que quisesse casar-se comigo. Muitos malucos, sem dúvida. Mas um bom homem, um pouquinho mais velho do que eu, com um emprego decente, boa aparência, engraçado, gentil. Sabe como é, alguém que não me olhasse de esguelha quando eu mencionasse o programa da tarde, nem alguém que prometesse sair comigo para uma noite no McDonald's logo após seu curso nocturno, nem alguém que se desculpasse por não poder dar-me um presente de Natal porque sua ex-esposa havia conseguido ganhar todo o seu salário num processo de pensão alimentícia, nem alguém que me fizesse sentir antiquada e intimidada porque me zangara quando ele disse que tinha namorado com a sua ex-namorada na noite seguinte àquela em que se deitara comigo (meu Deus, vocês, garotas de convento, são tão antiquadas), nem alguém que me fizesse sentir constrangida por não saber a diferença entre Piat d'Or e Zinfandel (seja lá o que for isso!).
James não me tratava de nenhuma dessas maneiras desagradáveis. Até parecia bom demais para ser verdade. Ele gostava de mim. Ele gostava de quase tudo em mim. Quando nos conhecemos, estávamos ambos morando em Londres. Eu era garçonete, e ele, contador. Entre todas as espeluncas ao estilo texano-mexicano ao redor do mundo, ele entrou justamente na minha. Eu não era uma garçonete de verdade, era formada em Inglês, só que passara por minha fase rebelde bem mais tarde do que a maioria das mulheres, lá pelos 23 anos. Que foi quando pensei que seria bem divertido deixar o meu emprego permanente em Dublin, com direito a aposentadoria e até bem pago, e partir para a pecaminosa cidade de Londres, para viver como uma estudante irresponsável. Algo que deveria ter feito quando era mesmo uma estudante irresponsável. Mas, aquele tempo, estava ocupada demais obtendo experiência de trabalho em minhas férias de verão, e então minha irresponsabilidade teve de esperar até eu estar inteiramente preparada para ela». In Marian Keyes, Melancia, 1995, Edição Bertrand Brasil, 2003, ISBN 978-852-860-916-5.

Cortesia de EBBrasil/JDACT