quarta-feira, 28 de junho de 2017

O Vaticano contra Cristo. I Millenari. «Os sucessores desses homens da Igreja foram, depois, obrigados a fazer reentrar pela porta de serviço, com a maior confusão e o maior embaraço»

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A Igreja não é o Vaticanismo
«(…) Jesus, ao fundar a Igreja, deu-lhe toda a riqueza de graça suficiente para que os homens de todas as épocas possam conseguir a salvação de si próprios e salvar os outros, mas não podia dar-lhe a capacidade de conter em si mesma, criatura finita, todo o infinito bem de Deus, que Ele dispensa livremente, em forma de chuveiro, também fora da Igreja. Ela não pode, por isso, tornar-se guarda de Deus, fechando-o à chave atrás da porta do seu tabernáculo para o distribuir como e quando lhe agradar. A sua missão traduz-se melhor através da imagem de um ostensório que mostra Cristo aos homens sem, por isso, d' Ele se apropriar. O Absoluto não pode privar-se do poder de se manifestar seja como for a todas as suas criaturas, dentro e fora da Igreja, no tempo e no espaço, através de carismas e graças especiais sempre novos e nunca conferidos em obediência a clichés.
Os carismas divinos ou graças especiais, às vezes extraordinários como o dom dos milagres, são meios pelos quais o Espírito Santo opera e revela a jorros a presença omnipotente de Deus na criação. Tais sinais expressam o alfabeto divino através do qual o Senhor esconde por vezes uma mensagem ao homem e à humanidade e que, fazendo parte do natural poder divino ad intra, não se circunscrevem a priori aos limites de uma acção concreta ad extra, mesmo que seja de instituição divina como a Igreja, cuja finitude, repetimos, não pode circunscrever o infinito poder de Deus.
Então, qual a actuação conforme à natureza da Igreja face a um evento prodigioso ou a uma mensagem extraordinária? Deverá interpretá-los à luz da regra infalível ditada por Jesus: uma árvore boa não pode dar maus frutos, nem uma árvore má pode dar frutos bons. A Igreja deveria saber permanecer fiel aos grandes princípios denunciando o que possa não ser carisma divino, mas estando bem atenta para não atribuir a Deus os erros e os preconceitos de alguns homens da Igreja, que historicamente o obrigaram a embarcar no comboio que circula apenas no espaço dos seus carris. Um facto histórico que interessa directamente à Igreja apenas será totalmente claro na parúsia; num corte vertical da história, o Eterno pode tornar-se visível sem que a substância divina seja afectada e sem que a espessura do temporal desapareça, de modo a que a Revelação seja compatível com a Incarnação, como a profecia do Apocalipse que se materializa na humanidade distraída.
A tese sobre a eclesiologia é de uma evidência óbvia, quer sob o aspecto teológico quer sob o aspecto histórico. Quantas vezes o juízo humano eclesiástico, tentado a ensinar Deus sobre como deveria intervir no mundo, sempre através dele, não soube identificar a intervenção do divino no temporal, chegando a pronunciar, sem reflexão suficiente, sentenças de reprovação, com as quais condenavam o próprio Autor desses carismas que os provocava para os ensinar. Muitas vezes se chegou ao absurdo de pensar que o que a Igreja ordenava era a verdade, em oposição ao que Deus operava através de homens de santidade comprovada ou de revelações, que, no seu pensar, seriam falsas. Sois capazes de entender os sinais do céu e da terra, como não sois capazes de entender o que acontece no tempo presente? Porque não julgais por vós mesmos o que é justo?, pergunta-lhes Jesus.
Os sucessores desses homens da Igreja foram, depois, obrigados a fazer reentrar pela porta de serviço, com a maior confusão e o maior embaraço, alguns fenómenos sobrenaturais. Exemplos de Galileu Galilei, Santa Joana d'Arc, Santa Teresa de Ávila, S. João da Cruz, S. José de Cupertino, Jerónimo Savonarola, Antonio Rosmini, padre Pio de Pietrelcina, Zeno Saltini (fundador de Nomadelfia), para terminar com o fenómeno de Medjugorie, aonde trinta milhões de membros da Igreja viva ainda hoje se dirigem em penitência enquanto trinta eclesiásticos insistiram em condená-lo. A história recorda vários erros registados na cúpula da Igreja». In I Millenari, Via col vento in Vaticano, Kaos Edizioni, 1999, O Vaticano contra Cristo, tradução de José A. Neto, Religiões, Casa das Letras, 2005, ISBN 972-46-1170-1.

Cortesia Casa das Letras/JDACT