quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A Cruz de Esmeraldas. Cristina de Torrão. «Todavia, dos quase duzentos barcos que haviam partido de Inglaterra, só lá chegaram cinquenta. Que era feito dos outros?»

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«(…) Debruçado sobre a balaustrada da nau, Johann vomitava mais uma vez. Konrad, que o observava preocupado, sentiu uma mão sobre o ombro e ouviu a voz de Hadwig: não te apoquentes, estamos a chegar. E pensar que optei pela rota marítima, com medo de que ele não aguentasse a viagem por terra. O pior já passou, lembrou o companheiro, cujo cabelo e sobrancelhas eram tão louros, que pareciam brancos. Até já dobrámos esse Cabo a que chamam de Finisterra. E o Mar Mediterrâneo será mais calmo. Espero bem que sim. Desconfio que nenhum de nós sobreviveria a uma segunda tempestade como a que enfrentámos no Golfo da Gasconha. Johann quase não se aguentava nas pernas e os dois ajudaram-no a alcançar a manta que lhe servia de cama. Se ele ao menos tivesse um tecto sobre a cabeça..., queixou-se Konrad. Só o capitão possuía aposentos fechados, todos os outros se arrumavam pelo convés, a não ser que tivessem de remar, debaixo deste, quando o vento não soprava de feição. Ainda bem que a cidade do Porto não é longe, comentou Konrad. Por mais que me custe ter que fazer uma pausa nesse Portugal, ficarei contente pelo rapaz. A viagem, na nau abaulada de um único mastro, não corria como ele imaginara. Além do desconforto e dos perigos que haviam enfrentado, faltava espaço para se treinarem no combate. O comandante Arnulf de Aarschot havia reunido os seus homens em Colónia, aos quais se juntaram muitos peregrinos e voluntários, como Konrad, Johann e Hadwig. Este era um rapaz bem constituído, de cabelo e sobrancelhas quase brancos e olhos de um azul desmaiado. Pertencia à baixa nobreza, o pai dele tinha, nas suas dez jeiras de terra, alguns camponeses a seu cargo. Mas Hadwig era o filho mais novo, sem direito a herança, e tentava a sua sorte nas cruzadas, como tantos outros. Partiram a 27 de Abril, navegando Reno abaixo, até à foz, na costa flamenga. Aí, juntaram-se-lhes franceses, frísios e flamengos, dirigidos por Christian de Gistell, de maneira que já eram sete mil quando se dirigiram ao porto inglês de Dartmouth. Os ingleses estavam há anos envolvidos numa guerra civil e entre eles não houvera muita pregação pelas cruzadas. Clérigos e comandantes locais tinham, ainda assim, entre combatentes, monges e outros peregrinos, conseguido reunir oito mil homens.
Apesar dos violentos enjoos, Johann arranjava tempo para impressionar os companheiros de viagem com os seus conhecimentos de latim. Dizia-se que os hispânicos falavam uma língua parecida e muitos interessavam-se pelas lições do rapaz. Konrad achava que era uma perda de tempo: não estais bons da cabeça, se pensais que vamos mesmo lutar por esse rei português! Na verdade, a maioria dos cruzados também não se entusiasmava com a ideia, mas os seus comandantes tencionavam, pelo menos, ouvir quais as recompensas que os portugueses lhes destinavam. Konrad esperava naturalmente que as negociações com Afonso Henriques falhassem. Ele queria alcançar a glória ao lado do seu rei. Só assim poderia regressar em triunfo à sua terra e vingar-se em todos aqueles que tinham virado as costas a ele e ao irmão. Em fins de Maio, enfrentaram uma grande tempestade no Golfo da Gasconha. Durante esses momentos infindáveis de terror, em que a nau, fustigada pelos ciclones e chuvas, mais não era do que um joguete nas mãos de ondas gigantescas, Johann limitava-se a rezar, encolhido a um canto, e Konrad maldizia a sua sorte, arrependido de não ter deixado o miúdo a salvo no convento. Deus parecia, no entanto, ter ouvido as preces do rapaz: a 30 de Maio aportaram sãos e salvos em Gijón, no norte da Hispânia. Todavia, dos quase duzentos barcos que haviam partido de Inglaterra, só lá chegaram cinquenta. Que era feito dos outros?» In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT