sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Guerreiro Escravo. Michelle Willingham. «Iseult sentiu um peso súbito no coração. Davin merecia uma mulher melhor que ela. Ela fizera tudo ao seu alcance para salvar a sua reputação, mas os mexericos não haviam diminuído mesmo passados três anos»

Cortesia de wikipedia e jdact

Irlanda. 1102
«Ele vai morrer, não vai?, perguntou Iseult MacFergus enquanto baixava os olhos para o corpo ferido do escravo. As costas do homem estavam cobertas por marcas de chicotadas ainda em carne viva. Estava pálido e com as costelas ressaltadas, como se não comesse adequadamente há muitas luas. Iseult estremeceu só de pensar no tormento pelo qual ele devia ter passado. Não sei, disse Davin Ó Falvey, passando uma bacia de água fria para Iseult. Acho que desperdicei um bom punhado de prata. Usando uma esponja, Iseult começou a enxugar o sangue nas costas do homem. Davin, não precisamos de um escravo para nossa casa. Não devia tê-lo comprado. A aquisição de escravos vinha-se tornando uma prática menos comum nas tribos. A própria família de Iseult jamais tivera condições de possuir escravos, facto que a fez recordar dolorosamente de que pertencia a uma casta inferior. Se não o tivesse comprado, outra pessoa teria. Davin chegou por trás dela e pousou as mãos nos seus ombros. Ele estava sofrendo muito, Iseult. Quase não sobreviveu aos espancamentos sofridos durante o leilão. Iseult cobriu as mãos de Davin com as suas. O seu noivo jamais conseguira deixar um homem sofrer se pudesse fazer algo para intervir. Esse era um dos motivos pelos quais Davin era o seu amigo mais querido e o homem com quem concordara em casar.
Iseult sentiu um peso súbito no coração. Davin merecia uma mulher melhor que ela. Ela fizera tudo ao seu alcance para salvar a sua reputação, mas os mexericos não haviam diminuído mesmo passados três anos. Iseult não sabia por que Davin a pedira em casamento, mas sua família ficara muito feliz com a oportunidade oferecida pela aliança. Não era todo o dia que a filha de um ferreiro se casava com o filho de um chefe. Deixe a curandeira cuidar dele, disse Davin. Iseult reconheceu o tom na voz do noivo, juntamente com o convite subjacente. Venha comigo, Iseult. Passamos uma semana inteira sem nos ver. Senti saudades. Iseult sentiu um arrepio, mas forçou um sorriso. Vá com ele, comandou a sua mente. Embora Davin nunca a houvesse culpado pelos seus pecados, ela se sentia indigna de seu amor. Depois de chamar a curandeira, Davin segurou a mão de Iseult e a conduziu para fora, onde a lua deitava uma sombra sobre o seu rosto. Com cabelos claros e penetrantes olhos azuis, Davin era o homem mais bonito que Iseult já vira. Ele conduziu a mão de Iseult até à sua face barbada. Uma pontada de temor trespassou o seu coração, porque ela sentiu que ele estava prestes a beijá-la. Iseult aceitou o seu abraço, desejando que pudesse sentir o mesmo ardor que ele sentia por ela. Dê tempo ao tempo, disse a si mesma. Contudo, mesmo enquanto se entregava ao beijo, Iseult teve a sensação de que estava fora de seu corpo, uma observadora em vez de uma participante. Ele abraçou-a forte, sussurrando no seu ouvido: sei que não quer tornar-se minha amante antes do Beltane. Mas eu seria um estúpido se não tentasse convencê-la. Ela o empurrou, baixando os olhos. Não posso.
O seu rosto reluzia com vergonha. O simples pensamento de se deitar com um homem, qualquer homem, suscitava lembranças dolorosas. O rosto de Davin transpareceu tensão, mas ele não a pressionou mais. Jamais a obrigaria a fazer nada que não quisesse, ele garantiu-lhe. E isso simplesmente fazia com que ela se sentisse ainda mais culpada. Não queria deitar com ele, mas, se não o fizesse, que espécie de mulher seria? Anos atrás ela rendera-se a um momento de paixão e pagara o preço. Mas agora que um homem a amava e queria casar com ela, Iseult não conseguia esquecer as lembranças ruins. Pousando uma das mãos no seu ombro, Davin beijou-lhe a testa. Esperarei até que esteja pronta. De mãos dadas com Iseult, Davin a conduziu de volta até à sua casa dentro do forte circular. Quando, chegado à cabana, Iseult parou ao lado da moldura de madeira da porta, como se fosse um escudo. O que vai fazer com o escravo? Não sei. Talvez ele possa ajudar com a colheita ou cuidar dos cavalos. Falarei com o escravo quando ele acordar. Bem, eu a verei amanhã de manhã, disse Davin, arrependimento pesando no seu tom de voz. Ele a beijou novamente. Faça o que puder para manter nosso escravo vivo. Iseult fez que sim com a cabeça, curvando-se para entrar na casa. Por um momento ficou parada na entrada, organizando os seus pensamentos. Por que não conseguia sentir a chama da paixão da qual as mulheres falavam tanto? Os beijos e o afecto de Davin não evocavam nada nela além de vazio. O que havia de errado com ela? Davin, de todos os homens, merecia ser amado. Davin a tratava como um tesouro precioso, oferecendo-lhe tudo que ela queria. Ela não se sentia merecedora dele. Com o coração pesado, foi-se reunir aos outros Muirne estava com a sua família, preparando comida para o jantar. Embora não fossem seus parentes, os O’Falveys haviam aberto as portas para ela, concedendo-lhe total hospitalidade. Graças a eles, Iseult tinha um lugar onde ficar enquanto se acostumava à nova tribo». In Michelle Willingham, Guerreiro Escravo, 2008, Harlequin Histórico, 70, 2009, ISBN 978-857-687920-6.

Cortesia de Harlequin/JDACT