segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Princesas Portuguesas. Rainhas no Estrangeiro. Américo Faria. «Também na corte de Leão, o ex-marido da rainha Teresa não ficou satisfeito, nem se conservou impassível, ante a posição tomada por Afonso II»

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Filha de Sancho I, rainha e monja
«(…) O destino, contudo, numa negaça cruel, não lho consentira. Ia começar a terceira e derradeira fase da sua existência ainda curta mas já marcada pela adversidade. Amortalhou-se no hábito sombrio e pesado de monástica. Recolheu-se ao convento de Lorvão, depois de o ter mandado restaurar e de o fazer habitar por freiras de Cister. A morte, em 1198, da mãe, essa insignificante rainha dona Dulce, sem grande influência na sua época e sem traços de personalidade forte que lhe assinalassem rastro luminoso, constituiu mais uma chicotada vibrante, um choque amargo a que o destino a sujeitou. Depois, mais tarde, já o pai era morto também, foi o irmão, Afonso II, que tentou apropriar-se dos legados deixados por Sancho I, bom pai, às irmãs e a ela. Resistiram as três irmãs ao esbulho, que nada talvez justificasse, além do espírito ambicioso do monarca ou a sua necessidade de fortalecer o trono. As infantas, para defenderem os seus direitos, chamaram em seu auxílio os cavaleiros descontentes com o governo do irmão. As perspectivas de uma guerra civil, com todos os seus horrores e consequências, não eram de molde a animar o monarca na sua atitude rapace. Quis transigir, tergiversar.
Também na corte de Leão, o ex-marido da rainha Teresa não ficou satisfeito, nem se conservou impassível, ante a posição tomada por Afonso II. E aproveitou o ensejo para entrar em Portugal em pé de guerra e tomar-nos algumas praças. Um bastardo de Sancho I, Martin Sanches, que estava ao serviço de Leão, comandou a invasão e conquistou Chaves, entre outras vilas. Alegava o de Leão que, procedendo assim, defendia os legítimos interesses da senhora que fora sua esposa e era donatária das vilas de Montemor e Esgueira, por legado do pai. O rei português viu-se em dificuldades, tanto mais que, além da excomunhão lançada sobre ele pelo arcebispo de Braga, viera a excomunhão do papa, com a ameaça de o privar do trono e desobrigar os seus súbditos do juramento de fidelidade. A situação era difícil para o reino de Portugal, empenhado nessa altura nos preparativos da batalha de Navas de Tolosa. Mas, terminada esta, ajustaram-se as contas. O poderio de Afonso II, junto às forças de Afonso VIII, de Castela, forçou o rei leonês a retirar as suas tropas das praças ocupadas.
Subsistia, todavia, a questão. Inocêncio III, o papa, entendeu de entrar na contenda, concordando com a solução proposta por Afonso II: as infantas ficariam com o usufruto das vilas, mas caberia ao rei a nomeação dos respectivos alcaides. Teresa aceitou aparentemente as condições impostas, que, aliás, não a beneficiavam. Não era, porém, mulher que admitisse ultrajes ao que considerava os seus legítimos direitos. A energia do pai formara-lhe o carácter, e a sua manha, também. Sabia esperar pela oportunidade mais favorável aos seus desígnios. Logo que soube o irmão a contas com dificuldades, renovou as suas pretensões. De novo, o ex-marido acorreu em seu auxí1io, invadindo outra vez o reino por Trás-os-Montes. E conservou Chaves como garantia de que o rei português não ficaria com o pleno domínio das terras que pertenciam a Teresa». In Américo Faria, Princesas Portuguesas Rainhas no Estrangeiro, 1963, Edições Parsifal, 2013, ISBN 978-989-983-331-9.

Cortesia de Parsifal/JDACT