Filha de Sancho I, rainha e monja
«(…) O destino, contudo, numa
negaça cruel, não lho consentira. Ia começar a terceira e derradeira fase da
sua existência ainda curta mas já marcada pela adversidade. Amortalhou-se no hábito
sombrio e pesado de monástica. Recolheu-se ao convento de Lorvão, depois de o
ter mandado restaurar e de o fazer habitar por freiras de Cister. A morte, em
1198, da mãe, essa insignificante rainha dona Dulce, sem grande influência na
sua época e sem traços de personalidade forte que lhe assinalassem rastro
luminoso, constituiu mais uma chicotada vibrante, um choque amargo a que o
destino a sujeitou. Depois, mais tarde, já o pai era morto também, foi o irmão,
Afonso II, que tentou apropriar-se dos legados deixados por Sancho I, bom pai,
às irmãs e a ela. Resistiram as três irmãs ao esbulho, que nada talvez justificasse,
além do espírito ambicioso do monarca ou a sua necessidade de fortalecer o
trono. As infantas, para defenderem os seus direitos, chamaram em seu auxílio
os cavaleiros descontentes com o governo do irmão. As perspectivas de uma
guerra civil, com todos os seus horrores e consequências, não eram de molde a
animar o monarca na sua atitude rapace. Quis transigir, tergiversar.
Também na corte de Leão, o
ex-marido da rainha Teresa não ficou satisfeito, nem se conservou impassível,
ante a posição tomada por Afonso II. E aproveitou o ensejo para entrar em
Portugal em pé de guerra e tomar-nos algumas praças. Um bastardo de Sancho I,
Martin Sanches, que estava ao serviço de Leão, comandou a invasão e conquistou
Chaves, entre outras vilas. Alegava o de Leão que, procedendo assim, defendia
os legítimos interesses da senhora que fora sua esposa e era donatária das
vilas de Montemor e Esgueira, por legado do pai. O rei português viu-se em
dificuldades, tanto mais que, além da excomunhão lançada sobre ele pelo
arcebispo de Braga, viera a excomunhão do papa, com a ameaça de o privar do
trono e desobrigar os seus súbditos do juramento de fidelidade. A situação era
difícil para o reino de Portugal, empenhado nessa altura nos preparativos da batalha
de Navas de Tolosa. Mas, terminada esta, ajustaram-se as contas. O poderio de Afonso
II, junto às forças de Afonso VIII, de Castela, forçou o rei leonês a retirar
as suas tropas das praças ocupadas.
Subsistia, todavia, a questão.
Inocêncio III, o papa, entendeu de entrar na contenda, concordando com a
solução proposta por Afonso II: as infantas ficariam com o usufruto das vilas, mas
caberia ao rei a nomeação dos respectivos alcaides. Teresa aceitou
aparentemente as condições impostas, que, aliás, não a beneficiavam. Não era,
porém, mulher que admitisse ultrajes ao que considerava os seus legítimos direitos.
A energia do pai formara-lhe o carácter, e a sua manha, também. Sabia esperar
pela oportunidade mais favorável aos seus desígnios. Logo que soube o irmão a
contas com dificuldades, renovou as suas pretensões. De novo, o ex-marido
acorreu em seu auxí1io, invadindo outra vez o reino por Trás-os-Montes. E
conservou Chaves como garantia de que o rei português não ficaria com o pleno
domínio das terras que pertenciam a Teresa». In Américo Faria, Princesas
Portuguesas Rainhas no Estrangeiro, 1963, Edições Parsifal, 2013, ISBN
978-989-983-331-9.
Cortesia de Parsifal/JDACT