A Concepção do Estado em Marx e Engels
«(…) Dessa forma, Maquiavel retoma aqui um tema que já foi
de Aristóteles: a política é a arte do possível, é a arte da realidade que pode
ser efectivada, a qual leva em conta como as coisas estão e não como elas
deveriam estar. Existe aqui uma distinção nítida entre política e moral, pois
esta última é que se ocupa do que deveria ser. A política leva em consideração
uma natureza dos homens que, para Maquiavel, é imutável: assim a história teria
altos e baixos, mas seria sempre a mesma, da mesma forma que a técnica da
política (o que não corresponde à verdade). Maquiavel afirma: há uma dúvida
se é melhor sermos amados do que temidos, ou vice-versa. Deve-se responder
que gostaríamos de ter ambas as coisas, sermos amados e temidos; mas, como é
difícil juntar as duas coisas, se tivermos que renunciar a uma delas, é muito
mais seguro sermos temidos do que amados... pois dos homens, em geral, podemos
dizer o seguinte: eles são ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores;
eles furtam-se aos perigos e são ávidos de lucrar. Enquanto fizer o bem para
eles, são todos teus, oferecem-te o seu próprio sangue, as suas posses, as suas
vidas, os seus filhos. Isso tudo até ao momento que não tem necessidade. Mas,
quando precisar, eles viram as costas.
E o príncipe que esperar gratidão por ter sido bondoso com
os seus súbditos, pelo contrário, será derrotado: os homens têm menos escrúpulo
de ofender quem se faz amar do que quem se faz temer. Pois o amor depende de
uma vinculação moral que os homens, sendo malvados, rompem; mas o temor é
mantido por um medo de castigo que não nos abandona nunca. Por conseguinte,
deve-se estabelecer o terror; o poder do Estado, o Estado moderno, funda-se no
terror. Com isso, Maquiavel contradiz profundamente o que ele próprio havia
escrito nos Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio: isto é, que o
poder baseia-se na democracia, no consentimento do povo, entendendo-se como
povo a burguesia do seu tempo. Mas agora Maquiavel pensa na construção de um
Estado unitário e moderno, portanto do Estado absoluto, e descreve o que será o
processo real da formação dos Estados unitários. Maquiavel não se ocupa de
moral, ele trata da política e estuda as leis específicas da política, começa a
fundamentar a ciência política. Na verdade, como observou Hegel e,
posteriormente, fizeram-no De Sanctis e Gramsci, Maquiavel funda uma nova
moral que é a do cidadão, do homem que constrói o Estado; uma moral imanente,
mundana, que vive no relacionamento entre os homens. Não é mais a moral da
alma individual, que deveria apresentar-se ao julgamento divino formosa e
limpa.
Jean Bodin (1530-1596)
Maquiavel fornece-nos uma teoria realista, é o primeiro que
considera a política de maneira científica, crítica e experimental. Porém ele
não fornece uma teoria do Estado moderno, mas sim de como se constrói um
Estado. Uma reflexão sobre o que é o Estado moderno aparece mais tarde na
França, com Jean Bodin (ou Bodinus, à latina). Nos seus seis tomos Sobre a
República (1576), Bodin polemizou contra Maquiavel. Gramsci afirma que
Maquiavel pretendia construir um Estado, projectá-lo, enquanto Bodin teorizava
um Estado unitário que já existia, o da França; por conseguinte, ele colocava
principalmente o problema do consenso, da hegemonia. Bodin, pela primeira vez,
começa a teorizar a autonomia e soberania do Estado moderno, o sentido que o
monarca interpreta as leis divinas, obedece a elas, mas de forma autónoma. Ele
não precisa receber pelo papa a investidura do seu poder. O Estado é
constituído essencialmente pelo poder: nem o território, nem o povo definem o
Estado tanto quanto o poder. Bodin afirma: é a soberania o verdadeiro alicerce,
a pedra angular de toda a estrutura do Estado, da qual dependem os magistrados,
as leis, as ordenações; essa soberania é a única ligação que transforma num
único corpo perfeito (o Estado) as famílias, os indivíduos, os grupos separados.
O Estado, para Bodin, é poder absoluto, é a coesão de todos os elementos da
sociedade». In Luciano Gruppi, Tudo Começou com Maquiavel, L&PM Editores, 1980,
ISBN 978-852-540-500-5.
Cortesia de L&PME/JDACT