A
Autonomista
«(…) Nesta história familiar
temos, por um lado, a legalidade do casamento com dona Constança e, por outro,
a sua relação com Ximena, que é posta em causa por muitos historiadores e que leva
a que esses autores considerem bastardas as duas filhas dela havidas, dona
Teresa e dona Elvira. Não deixa, porém, de ser estranho que as filhas viessem,
por esse facto, a ser destituídas da legitimidade que o casamento naturalmente lhes
concedera, tanto mais que, segundo alguns historiadores, mesmo quando na época
se usava a palavra amante ou concubina, o sentido do seu uso era diferente daquele
que se lhe atribui nos nossos dias. Na verdade, naquele tempo, a expressão
significava mulher que era recebida ou casada, perante a Igreja, só para dar
sucessão, distinguindo-se da legítima por não ter a administração nem ser dona
da casa.
Contudo, um dos cronistas mais
referenciados, o anónimo de Sahagún, que terá vivido ou até convivido com dona Teresa
quando esta residia naquela terra, de certo modo vem confirmar a bastardia,
quando afirma: é de saber que el rey D. Afonso de noble memoria, mientras
que ele viviese, de una manceba, pero bien noble, había tenido una hija llamada
Teresa, la quai el había casado con un conde llamado Enrique, que vénia de
sangre real de Francia. É conhecido que um dos fins mais frequentes para
estas crianças era o de servirem para efectuar valiosas alianças matrimoniais.
Porém, o tratamento dado a dona Tareja, condessa e mais tarde rainha,
excede, de algum modo, a prática corrente na altura. Acresce ainda que ela é,
frequentemente, chamada infanta num tempo em que os títulos eram pouco comuns entre
filhas naturais... Não pretendo, como é evidente, tornar posição sobre esta matéria,
que nem sequer aos olhos de hoje tem grande importância. Filhos são filhos,
provenham ou não de uniões legalizadas... A infância de Teresa, da qual nada se
sabe, não terá decerto sido muito diferente da que levavam as outras crianças
que viviam na Corte.
Acredita-se que tenha sido criada
por Gontrode Moniz, mulher de Soeiro Mendes da Maia (cognominado o Bom, e homem
de confiança do conde Henrique), irmã de Ximena Nunes Gusmão Moniz e, portanto,
sua tia. Assim sendo, não será de estranhar que Soeiro Mendes continue seu aio
até à maioridade, mesmo depois de casada. Quem mais sai a ganhar desta confusão
familiar que está na base da nossa existência é o ambicioso papa Gregório VII,
que acaba por obter para o Reino de Leão a mudança de rito que a Corte de Roma
há muito ambicionava e não conseguia. O nosso começo não foi, convenhamos,
muito pacífico. Mas, na nossa História, a paz também não terá sido a situação
mais frequente...
Urraca, a Legítima
A única filha legítima do rei de
Leão com a rainha Constança é Urraca, nascida em 1080 e que, como se percebe, é
meia-irmã de Tareja. O histórico da vida de ambas ter-se-á iniciado quando da
chegada à Península Ibérica de dois cavaleiros franceses, o príncipe Raimundo e
o príncipe Henrique. E é neste último que iremos encontrar esse pedaço de vida
que fará de nós portugueses... Também quanto a esses dois homens, as dúvidas
não são menores. Uns consideram-nos primos-irmãos. Outros, porém, julgam-nos
vagamente aparentados, como é o caso do historiador José Mattoso. Raimundo é
filho de Guilherme, conde da Borgonha. Terá vindo para o território que hoje é
Espanha por volta de 1079, acompanhando sua tia a rainha Constança. Ou, noutra
versão, surgiria em 1086, ocasião em que muitos franceses passavam os Pirenéus
para combaterem na batalha de Zalaca, que ficou marcada pela vitória dos
árabes almorávidas sobre Afonso VI. Henrique, por seu lado, é filho de
Henrique de Borgonha e bisneto de Roberto, rei de França, que ficou conhecido
como o Devoto. Terá também vindo por Espanha tentar fortuna e prestar serviços
à monarquia leonesa». In Helena S. Cabral, As Nove Magníficas,
2008, Clube do Autor, 2017, ISBN 978-989-724-330-1.
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