«(…) Ainda assim, apesar da sua aparente simplicidade e do seu
carácter essencial, os números primos perduram como os objectos mais
misteriosos já estudados pelos matemáticos. Numa disciplina dedicada a
encontrar padrões e ordem, os primos representam o desafio supremo. Observe uma
lista de números primos, e descobrirá que é impossível prever quando surgirá o
próximo deles. A lista parece caótica, aleatória, não nos fornece qualquer
pista sobre como determinar o próximo número. A sequência de primos é a
pulsação da matemática, mas é uma pulsação tonificada por um forte cocktail de cafeína:
Os primos até ao número 100, a pulsação irregular
da matemática
Consegue
encontrar uma fórmula que gere os números dessa lista, alguma regra mágica que
lhe diga qual será o 100º número primo? A questão tem atormentado as mentes
matemáticas de todas as épocas. Depois de mais de dois mil anos de esforços, os
primos parecem resistir a qualquer tentativa de encaixá-los num padrão reconhecível.
O tambor dos primos tem tocado a sua sequência de números ao longo de gerações:
duas batidas, seguidas por três batidas, cinco, sete, onze. O ritmo segue em
frente, e torna-se fácil acreditar que seja causado por ruído branco aleatório,
sem qualquer lógica interna. No centro da matemática, que é a busca pela ordem,
só escutávamos o som do caos. Os matemáticos não suportam admitir a
possibilidade de que talvez não exista uma explicação para o modo como a
natureza escolheu os primos. Se a matemática não tivesse uma estrutura, uma
simplicidade bela, não valeria a pena estudá-la. Escutar ruído branco nunca foi
um passatempo muito apreciado. Nas palavras do matemático francês Henri Poincaré,
o cientista não estuda a natureza pela sua utilidade; ele o faz porque se
deleita com ela, e esse deleite vem da sua beleza. Se a natureza não fosse
bela, não valeria a pena conhecê-la, e se não valesse a pena conhecê-la, não
haveria por que viver esta vida.
Poderíamos
imaginar que a pulsação dos números primos se acalmasse após um início agitado.
Não é bem assim, as coisas só parecem piorar à medida que a contagem aumenta. Estes
são os primos que existem entre os 100 números anteriores e posteriores a
10.000.000; primeiro, os que antecedem 10.000.000:
Agora veja como há poucos primos
entre os primeiros 100 números posteriores a 10.000.000: 10 000 019, 10 000 079.
É difícil imaginar uma fórmula que
seja capaz de gerar esse tipo de padrão. De facto, essa procissão dos primos se
assemelha muito mais a uma sucessão de números aleatórios que a um belo padrão
ordenado. Da mesma forma que saber os resultados das primeiras 99 vezes que jogamos
uma moeda não ajuda muito na previsão do 100 lance, os primos também parecem desafiar
qualquer previsão. Os números primos representam para os matemáticos um dos
dilemas mais estranhos da sua disciplina. Por um lado, cada número é ou não é
primo. Lançar uma moeda não faz com que um número se torne subitamente divisível
por outro número menor. Ainda assim, não se pode negar que a lista de primos
parece ser uma sequência de números escolhidos aleatoriamente. Os físicos se
acostumaram à ideia de que um dado quântico decide o destino do Universo,
escolhendo aleatoriamente, em cada lance, o lugar onde os cientistas poderão
encontrar matéria. Porém, é um pouco desconcertante ter de admitir que a
natureza jogou uma moeda para determinar esses números fundamentais nos quais a
matemática se baseia, decidindo lance a lance o destino de cada número. A
aleatoriedade e o caos são anátemas para o matemático. Apesar de sua
aleatoriedade, os números primos, mais que qualquer outra parte de nossa herança
matemática, têm um carácter atemporal, universal. Os primos existiriam mesmo
que não houvéssemos evoluído o suficiente para reconhecê-los. Como disse o
matemático de Cambridge GH Hardy, 317 é um primo não porque pensemos que o
seja, ou porque as nossas mentes estejam moldadas desta ou daquela maneira, mas
porque é assim, porque a
realidade matemática é construída dessa forma». In Marcus Sautoy, A
Música dos Números Primos, 2003, 2004 (Harper Perennial), Edições Zahar, 2007,
ISBN 978-853-780-037-9.
Cortesia de EZahar/JDACT