Criminosos,
boémios, prostitutas e outros marginais
«(…)
A mitologia da criminalidade, da boémia, dos mundos do fado, da prostituição e
da marginalidade é construída pelos seus detractores com mais vigor do que
pelos seus próprios agentes. Exagerando o perigo, desmesurando os seus
potenciais efeitos, justificava-se a necessidade de amplos meios para os
prevenir e reprimir. O discurso, muitas vezes inebriado no seu próprio estilo,
cria um universo colorido e sedutor, de tão sombrios que se traçam os seus
contornos. Não deixa de ser significativo que os primeiros passos de todo este
processo surjam no momento em que se afirma entre nós um tardio romantismo
literário. E que, mais tarde, a descrição e análise destes fenómenos se torne
um recurso comum na literatura com pretensões realistas e naturalistas, lado a
lado com o desenvolvimento do entusiasmo estatístico na caracterização dos
protagonistas e dos comportamentos presentes na sociedade. Resta-nos, agora,
tentar reencontrar os protagonistas desse mundo, e espaços e momentos em que
era possível encontrá-los em acção, sempre na convicção que muitas das imagens
que é possível recolher se encontram diversamente distorcidas pelos olhares
lançados sobre a realidade, tantas vezes enleados em todos os preconceitos e
juízos de valor que previamente os condicionavam.
Os Protagonistas
Quem eram então os protagonistas
desse mundo marginal, com regras de conduta alternativas ao da sociedade
burguesa ideal? Os criminosos e as prostitutas eram as figuras mais conhecidas,
mas na mesma categoria poderiam ser incluídos os boémios, de todas as origens
sociais, assim como os indigentes, os vadios e todos os outros que não se enquadravam
numa representação harmoniosa do mundo. De todos eles vinha o perigo, mesmo
quando a sua condição resultava das circunstâncias de vida da sociedade que os excluía.
O Criminoso
Um dos maiores receios burgueses
no século XIX prendia-se com o comportamento das classes populares que,
incapazes de gerar riqueza e atingir um nível de vida que se pudesse considerar
razoável e respeitável, insuficientemente desenvolvidas do ponto de vista moral,
optavam em muitas situações pela via do crime, pelos atentados à propriedade
alheia, pela desordem e pelo desacato. No século XIX a associação que se
estabelece entre as camadas populares e o crime é muito rápida e parece óbvia,
em especial quando se recorre à estatística para fundamentar as teorias
sociológicas que tentam estabelecer tipologias para os agentes da desordem. A
nova sociedade industrial, se a muitos permite insuspeitadas possibilidades de
ascensão social, não deixa de lançar muitos outros para as fronteiras da marginalidade.
O
grosso dos indivíduos que constituíam as fileiras das hordas da transgressão,
do crime, da decadência moral, dos comportamentos desviantes, provinha das
massas populares, em particular nas grandes cidades que cresceriam
descontroladamente no século XIX, sem plano e sem a criação das estruturas
mínimas para o acolhimento das dezenas de milhar de famílias em debandada dos
campos, à procura de um mundo novo de oportunidades nas cidades onde se
encontravam os pólos de desenvolvimento industrial. No entanto, a instalação de
todas estas gentes levantaria muitos problemas do ponto de vista social: a
absorção de toda esta força de trabalho era difícil e o seu crescimento
constante, desvalorizava o seu valor perante os potenciais empregadores. Desta
maneira, largas fatias do proletariado urbano, que se fixava nas periferias das
cidades, não conseguiria alcançar níveis satisfatórios de subsistência e teria
de recorrer aos mais diversos expedientes para sobreviver». In
Educar, O Mundo da Transgressão Social, Criminosos, boémios, prostitutas e
outros marginais,
Wordpress, Boémia, Wikipédia, 2007.
Cortesia
de Wikipédia/Educar/JDACT