quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A Cruz de Esmeraldas. Cristina de Torrão. «Disse chamar-se Julião e Johann animou-se ao constatar que o homem conseguia realmente entender algumas palavras isoladas de latim, embora nunca tivesse aprendido tal língua»

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«(…) Nada mais lhes restava do que seguir viagem. Apanharam outro susto no mar traiçoeiro da costa galega, ao dobrar o Cabo Finisterra. Deus poupou-os contudo a nova tempestade e puderam atracar nas margens do rio Tambre, perto de Santiago de Compostela, aonde se dirigiram em peregrinação, a fim de visitar o túmulo do Apóstolo. Rezaram, assistiram às missas..., e eis que se dá algo, por muitos considerado um milagre: aos poucos, iam-se-lhes juntando os outros barcos. Quando a 15 de Junho partiram em direcção a Portugal, a armada estava quase completa. No dia seguinte, avistaram a foz do rio Douro. Debaixo de um sol radioso, uma extensão infinita de praias estendia-se de Norte a Sul. A cidade do Porto situava-se a menos de uma légua de distância, mas no seu cais apenas havia lugar para as naus dos comandantes e dos prelados. As restantes embarcações tiveram que atracar na zona da foz, a de Konrad ancorou numa pequena enseada, a meia hora de marcha do Porto. Arnulf de Aarschot, Christian de Gistell, os comandantes ingleses e franceses e os clérigos foram recebidos pelo bispo, Pedro Pitões, que regia sobre a cidade.
Sentado sobre a sua manta, ao lado do prostrado Johann, Konrad olhava com inveja para os companheiros de viagem que se preparavam para ir dar uma volta à cidade. Gunther, um ruivo baixote mas encorpado, perguntou-lhe: não queres vir? Não precisas também de divertimento? O Johann está tão mal, suspirou Konrad. Passou o dia enjoado, sem comer nada. E logo hoje custa-me deixá-lo sozinho. É o dia do seu aniversário. Como é que sabes isso?, admirou-se o ruivo. O meu pai fazia questão dessas coisas. Ah é verdade. A gente até se esquece de que éreis filhos de um cavaleiro. E, já agora, quantos anos faz o fedelho? Dezasseis. Mais uma razão para que venhais os dois connosco! Ele não está em condições de... Sabes do que é que ele precisa? De uma mulher! Nem imaginas com que velocidade ele depois desabrocha. Se calhar tens razão,  replicou Konrad, com um sorriso. Já vai sendo tempo. Levanta-te, rapaz!, bradou Gunther. Não posso. Estou doente. E eu conheço o remédio que te há-de curar!
Anoitecia, quando Konrad, Johann, Hadwig e Gunther se puseram a caminho da cidade. O tempo ameno dispensava capotes, bastavam as suas túnicas de linho, que, por cima das calças, lhes chegavam aos joelhos. Como era costume, levavam punhais enfiados nos cintos. Os cabelos castanho-claros de Konrad caíam-lhe pelos ombros, os outros três usavam-nos curtos. As colinas eram cada vez mais altas, tanto numa como na outra margem, o Douro revelava-se um lutador que criara o seu próprio caminho por entre o desfiladeiro. Pescadores trabalhavam nas suas redes e conversavam à porta das suas cabanas. A passagem dos estrangeiros, chamavam o resto da família, para que todos pudessem lançar um olhar aos cruzados vindos de longe. Depois de mais uma curva, a cidade surgiu no cimo de um cerro de uns duzentos e cinquenta pés de altura, rodeada pelas muralhas. Também do outro lado do rio se via uma povoação, com o castelo no alto e várias casas espalhadas pelas escarpas. As construções escuras de granito junto ao cais do Porto não pareciam convidativas, mas, assim que os quatro entraram numa das tabernas, envolveu-os uma atmosfera hospitaleira. Não só os locais se divertiam por lá, também muitos dos estrangeiros. Apesar do entendimento ser difícil, estabeleciam-se conversas entre os homens de várias nacionalidades. Os locais estarreceram quando Hadwig surgiu, provavelmente nunca tinham visto cabelos e sobrancelhas tão claros. Os quatro sentaram-se à volta de uma mesa e o empregado, um rapaz magro de caracóis escuros, desejou-lhes as boas-vindas e serviu-lhes vinho tinto. Todos se apressaram a esvaziar as suas canecas, excepto Johann, que parecia um condenado à morte sentado à mesa da sua última refeição. Um portuense aproximou-se, pois a mesa deles era das poucas em que sobrava uma cadeira. O indivíduo era atlético, embora não tão alto como Konrad e Hadwig. Usava os cabelos pretos curtos e um bigode farfalhudo dominava-lhe o semblante. Sentou-se e começou logo a conversar com eles; a bem da verdade, gesticulava mais do que falava. Disse chamar-se Julião e Johann animou-se ao constatar que o homem conseguia realmente entender algumas palavras isoladas de latim, embora nunca tivesse aprendido tal língua». In Cristina Torrão, A Cruz de Esmeraldas, Edição Ésquilo, 2009, ISBN 978-989-809-261-8.

Cortesia de Ésquilo/JDACT