«(…)
Tinha-se comportado como um idiota. Em que sentido? Não fora Will, seguramente.
Tinham discutido no passado, mesmo antes daquela última ruptura. Fizeram mais
do que discutir, lutaram um com o outro. Mas ele não seria capaz de obrigá-la
afazer algo contra a sua vontade. Ou seria? Teria sido capaz de segui-la e a
Ash até casa dela? Se o fizera, poderia ter entrado à socapa. Jess sabia que
ele ficara com uma chave, apesar de insistir que lha devolvera. Tinham dançado
juntos, no fim da noite. Mais do que uma vez. Ela lembrava-se disso. Por
momentos, sentira os braços dele à sua volta, com uma familiaridade tão terna,
e abandonara-se àquele abraço. Fora Will quem, minutos depois, se afastara,
movendo-se solitário ao som da música, deixando-a a dançar sozinha. Com um
suspiro de exaustão, Jess fechou os olhos.
Muito
mais tarde, ouviu a senhora Lal, do apartamento do rés-do-chão, abrir a porta e
sair, o som dos chinelos a martelar nos degraus. Ia à loja de esquina; não
precisava de levar os sapatos finos. No seu tormento, Jess sorriu
afectuosamente. Às vezes, a velha senhora chamava--a para lhe perguntar se
queria que ela lhe trouxesse o jornal de domingo, ou um pouco de leite. Mas não
nesse dia. Nesse dia, havia silêncio; talvez a senhora Lal tivesse ouvido Will
a bater à porta com estridor e pensado que Jess tinha saído. Levantando-se,
dorida, foi até à janela e olhou para baixo. A senhora Lal descia a rua devagar,
com um casaco de malha azul sobre o sari e o cabelo grisalho preso num rolo
desmazelado. Seguindo-a, viu-a hesitar e abrandar de repente, atravessando a
rua para o outro lado. Foi então que reparou neles. Dois rapazes negros a
rondarem o portão que dava para a praça. Fitou-os por momentos, de súbito com a
garganta seca. Um deles era Ash. O outro o seu irmão mais velho, Zac. Não
tiravam os olhos da pobre senhora Lal, apreciando claramente o seu desconforto.
Zac chamou-a e a mulher idosa acelerou o passo, afastando-se deles o mais depressa
que podia, na direcção da loja. Talvez devesse ir lá abaixo enxotá-los. Que
faziam ali, afinal? Os rapazes viviam em Constable Estate, na outra ponta do
colégio. Então, quase como se soubesse que ela estava a olhar para ele, Jess
viu Ash mover-se de repente. Saltou para a estrada, onde ela o veria melhor, e
de onde ele talvez conseguisse vê-la, e esboçou de novo aquela vénia cortês,
elaborada e teatral, dirigida à sua janela. Zac ria às gargalhadas. Jess viu-o
apontar um pontapé pouco convicto à cabeça do irmão, antes de Ash soprar um
beijo na direcção da casa dela e os dois rapazes se virarem para o outro lado,
caminhando num passo estugado e casual até à estação de metro e à buliçosa High
Street». In Barbara Erskine, A Princesa Guerreira, 2008, tradução de Catarina
Almeida, Grupo Planeta, Planeta Manuscrito, Lisboa, 2009/2010, ISBN
978-989-657-113-9.
Cortesia de PManuscrito/JDACT