sábado, 4 de dezembro de 2010

Augusto Abelaira: Incutiu ao romance de intenção social uma dimensão de auto-crítica geracional. O romance «Outrora Agora», já nos anos 90, reafirma o romancista que impõe ao leitor um «pacto de desconfiança» em relação a tudo o que era dado como adquirido

(1926-2003)
Ançã, Cantanhede
Cortesia de bibagrcbt 
Augusto José de Freitas Abelaira, foi professor, tradutor, jornalista, no Diário Popular, n'O Século onde assina a partir de Janeiro de 1974 a rubrica «Entrelinhas», cronista em O Jornal com uma crónica intitulada «Escrever na água» e no Jornal de Letras onde assinou a crónica «Ao pé das letras». Exerceu igualmente os cargos de director de programas da RTP, de director das revistas Vida Mundial e Seara Nova e de presidente da Associação Portuguesa de Escritores, mas é sobretudo como dramaturgo e romancista que é recordado.

Não sendo um escritor de grandes públicos, viu por inúmeras ocasiões, a sua obra premiada:
  • As Boas Intenções – 1963 foi galardoado com o Prémio Ricardo Malheiros, da Academia das Ciências de Lisboa;
  • Enseada Amena – 1966 foi distinguido com o Prémio de Romance de IV Encontro da Imprensa Cultural;
  • Sem Tecto, Entre Ruínas – 1978 recebeu o Prémio Cidade de Lisboa;
  • Outrora Agora – 1996 foi premiado com o Grande Prémio de Romance e Novela APE/IPLB; 
  • O Prémio Municipal Eça de Queirós, da Câmara Municipal de Lisboa (Prémio de Prosa de Ficção); 
  • O Prémio P.E.N. Clube Português de Ficção Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários.
A vasta obra de Abelaira (12 romances, 3 peças de teatro, 1 livro de contos, 1 monólogo e as dezenas de crónicas jornalísticas de pendor político e cultural) encontra-se toda ela norteada por uma consciência ético-histórica, ancorando-se os seus escritos na observação de uma sociedade concreta e estranhamente actual, vista através de olhares atentos e críticos.


Cortesia de poesiatavolaredonda  

Os temas primordiais de Augusto Abelaira conduzem incessantemente o leitor para um universo marcado pelo questionamento constante das relações humanas:
  • a análise dos sentimentos amorosos;
  • a importância da arte na sociedade;
  • o olhar crítico sobre as pessoas e as coisas;
  • o sentido arbitrário e casuístico da existência;
  • a fragmentação discursiva;
  • a ironia impiedosamente lúcida;
  • a metaficcionalidade discursiva.
Neles (re)encontramos personagens que Michel Butor designa por «históricas», no sentido em que são reconhecíveis pelos leitores mais fiéis, porque vão transitando de romance em romance (veja-se por exemplo J. Fonseca, personagem de Outrora Agora e Deste Modo ou Daquele). Os protagonistas abelairianos, para além de serem oriundos de um mesmo espaço social, a burguesia lisboeta, pertencem a um mesmo meio laboral, partilham vivências, convicções e emoções, comungam de uma mesma aversão pela política de direita, perfilham de um imaginário cultural e afectivo comum, empenham-se nas mesmas causas e procuram pela escrita uma apreensão mais concreta do mundo.


Cortesia de wook

Na produção romanesca de Abelaira, e desde o primeiro livro, o leitor ocupa um lugar privilegiado, de cúmplice, testemunha, co-autor ou parceiro de diálogo, papel que o autor descreve da seguinte forma em crónicas ao Jornal de Letras: «Um romance é não somente o que lá pôs o escritor mas é também aquilo que lá puseram os leitores», «esse leitor imaginário é um leitor muito especial: é um leitor que sente a falta de um certo livro ainda por escrever. E o escritor procura corresponder a esse desejo, oferecendo-lhe o desejado livro».  

O pendor irónico que caracteriza a escrita abelairiana assume maior acutilância nos dois últimos romances. Outrora Agora, cujo título foi retirado de um poema de Fernando Pessoa apresentado em epígrafe, autor tutelar para Abelaira, assume-se como uma homenagem ao poeta. Constrói-se a narrativa pela sobreposição de níveis diegéticos, pela formulação constante de hipóteses, pelo confronto de versões, estratégias que se conjugam para uma apreensão mais próxima do sentido das coisas, vistas através do olhar sempre atento, lúcido e irónico da estância narrativa, que não se escusa a entrar frequentemente em diálogo com outros textos e outros autores». In Agripina Carriço Vieira