quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Vladimir Mayakovski: Poesia. «Mete-me no crânio pensamentos! Não vivi até o fim o meu bocado terrestre, sobre a terra não vivi o meu bocado de amor»

Cortesia de postersguide

Insignificâncias
Exibirei a série de cores da minha imaginação como a cauda de um pavão,
entregarei a minha alma a um enxame de rimas desconhecidas.
Quero ainda ouvir nas colunas dos jornais rezingar
aqueles
que com o focinho zurzem as raízes
do carvalho que os alimenta.
Vladimir Mayakovski, 1916

A Confraria dos Escritores
Sem dúvida jamais me habituarei
a instalar-me na esplanada do «Bristol»,
beber chá,
contar histórias verso a verso –
tenho vontade de entornar os copos
e de trepar às mesas.
Escutai,
confraria literária!

Estais aí sentados,
os olhos mergulhados na chávena de chá.
Os vossos cotovelos estão luzidios à força de escrevinhar.
Levantai os olhos dos vossos copos por terminar.
Libertai as vossas orelhas das guedelhas.

Vós
colados ao papel
das paredes,
meus caros,
que fazeis vós com o verbo?
Sabíeis
que quando não escrevia
François Villon
era bandido?

Vós
que sois prudentes
mesmo para agarrar numa faca de cortar papel,
pensar que é a vós que está confiada a beleza do mais magnífico dos séculos!

Escrever ainda?
Hoje
a vida
é cem vezes mais interessante
mesmo a do último ajudante de notário.

Senhores poetas,
não estais já fartos
das páginas,
dos palácios,
do amor,
dos bosques de lilás?
Se chamam
criadores
a pessoas como vocês –
então quero lá saber da arte em geral.

Prefiro abrir uma loja.
Irei à Bolsa.
Os flancos eriçados com espessas toalhas.
Irei esvaziar a alma
berrando canções de bêbado
num privado de cabaré.

Será que uma pancada pode ter êxito sob os tufos de cabelo?
Um só pensamento
habita estes pêlos que nunca mais acabam:
«Pentear-se? Para quê?!
Por um momento não vale o esforço,
quanto a estar
eternamente bem penteado
é impossível».
Vladimir Mayakovski, 1917
(in 33 Poesias, tradução e prefácio de Adolfo Luxúria Canibal, Edições Quasi, 2008)

Cortesia de ecojane.wordpress

A Esperança
(Tradução de Haroldo de Campos)
 
Injecta sangue
no meu coração,
enche-me até o bordo das veias!

Mete-me no crânio pensamentos!
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre,
sobre a terra
não vivi o meu bocado de amor.
Eu era gigante de porte,
mas para que este tamanho?

Para tal trabalho basta uma polegada.
Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
num canto do quarto, encolhido,
como um par de óculos dobrado dentro do estojo.
Mas tudo que quiserdes eu farei de graça:
esfregar,
lavar,
escovar,
flanar,
montar guarda.
Posso, se vos agradar, servir-vos de porteiro.
Há, entre vós, bastante porteiros?
Eu era um tipo alegre,

mas que fazer da alegria,
quando a dor é um rio sem vau?
Em nossos dias,
se os dentes vos mostrarem
não é senão para vos morder
ou dilacerar.
O que quer que aconteça,
nas aflições,
pesar...
Chamai-me!
Um sujeito engraçado pode ser útil.
Eu vos proporei charadas, hipérboles
e alegorias, malabares dar-vos-ei
em versos.
Eu amei...
mas é melhor não mexer nisso.
Te sentes mal?

Tanto pior...

Gosta-se, afinal, da própria dor.
Vejamos... Amo também os bichos -
vós os criais,
em vossos parques?
Pois, tomai-me para guarda dos bichos.
Gosto deles.
Basta-me ver um desses cães vadios,
como aquele de junto à padaria,
um verdadeiro vira-lata!
e no entanto,
por ele,
arrancaria meu próprio fígado:
Toma, querido, sem cerimónia, come!
Vladimir Mayakovski

Cortesia de Cultura para Arte/JDACT