quinta-feira, 29 de setembro de 2016

O Apogeu da Cidade Medieval. Jacques le Goff. «A grande maioria desses lugares de origem é constituída por aldeias. O caso de La Rochelle, para a qual possuímos uma lista dos nomes dos lugares de origem dos burgueses em 1224, é diferente»

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1150-1330. O povoamento urbano
«(…) Embora menos intensa, a actividade de criação urbana entre 1150 e o começo do século XIV não foi inexistente nas regiões setentrionais do reino, e em especial, precocemente, no condado de Flandres, onde prossegue o dinamismo demográfico económico e urbano do período anterior. No início do reinado do conde Filipe da Alsácia (1168-1191), associado ao seu pai desde 1157, novas cidades, como Gravelines (1163), Nieuport, Damme (1180), Biervliet (1183), Mardick e Dunkerque (c. 1183), portos situados às margens de estuários na proximidade da costa, testemunham uma política urbana do conde. Gravelines, por exemplo, fundada em 1163, desenvolveu-se rapidamente a partir de 1180. Esse aumento da superfície urbana, que é em grande parte uma superfície construída, provém do afluxo dos homens. Tais homens vêm do campo e, em sua maioria, do campo próximo. O século XIII, século do início do recenseamento, é também o século do surgimento dos nomes próprios, nomes de família, nomes de ruas. É sobretudo estudando os patronímicos urbanos, dos quais um número considerável é constituído pelo lugar de origem desses imigrados, em geral recentes, que se pode esboçar a história do povoamento das cidades. A distância entre lugar de origem e a cidade de imigração depende evidentemente da importância dessa cidade, de sua actividade, de seu poder de atracção. No Forez, a cidadezinha de Montbrison encontra, entre 1220 e 1260, 40% de seus imigrantes a menos de 10 km, 38% a uma distância entre 10 e 20 km, e apenas 3 famílias em cada 51 vêm relativamente de longe, uma de Lyon, uma de Auvergne e uma provavelmente de France (isto é, Ile-de-France no sentido amplo). Para o período 1260-1340, a atracção da cidade aumenta: 4/5 dos imigrantes provêm de um raio já não de 20, mas de 30 km. Entre 1300 e 1349, dois terços dos recém-chegados provêm de um raio de 40 km e para cada período algumas famílias vieram de lugares cada vez mais distantes (mesmo na Normandia e, no último período, da Itália e, talvez, da Espanha). Para uma aglomeração foreziana mais modesta, Saint-Haon-le-Chatel, no período 1252-1348, 78% dos imigrantes são originários de uma zona de 20 km em torno da cidade e 75% são certamente de origem rural.
Para uma grande cidade como Metz, um estudo pioneiro de Charles-Edmond Perrin em 1924 mostrou que os imigrantes do século XIII vieram essencialmente da região lorena e mais particularmente da zona de Metz, sobretudo das aldeias próximas. Todavia algumas famílias patrícias conservavam em seu patronímico a lembrança de uma origem remota: Estrasburgo, Colónia, Veneza, Troyes e Huy. Arras, como Metz, recebe no século XIII o essencial de sua população de um raio de 40 km ao redor da cidade. Para Reims, o estudo bastante preciso de Pierre Desportes, abrangendo os 600 nomes de lugares usados por famílias que figuram nas listas feitas entre 1304 e 1328, mostra que 50% dessas famílias são originárias de localidades situadas a menos de 3 léguas (cerca de 13 km) da cidade, 60% provêm de menos de 30 km, 35% do restante é proveniente das Ardenas. A grande maioria desses lugares de origem é constituída por aldeias. O caso de La Rochelle, para a qual possuímos uma lista dos nomes dos lugares de origem dos burgueses em 1224, é diferente. A atracção se exerce sobre a maior parte da França, especialmente Flandres, Normandia, Bretanha, e sobre a Itália (Lombardia e Génova), a Espanha (Santander, Pamplona, Saragoça) e a Inglaterra (Norwich, Londres, Southampton). É verdade que se trata de um porto e de uma cidade cuja actividade comercial e financeira (ligada sobretudo à exportação do vinho) se acha então em pleno desenvolvimento. Ressalta desses dados que no nível dos homens, em primeiro lugar, os laços das cidades com a sua terra, seu meio geográfico, são muito fortes e que a origem de sua população é sobretudo rural. Como essa população, segundo veremos, é muito móvel, pode-se dizer que a cidade é povoada em grande parte por camponeses recém-urbanizados. Insiste-se, e com razão, como veremos, no carácter semi-rural das cidades medievais. A penetração dos campos nas cidades faz-se inicialmente no nível dos homens. A França urbana medieval é em grande parte uma França rural da cidade». In Jacques le Goff, O Apogeu da Cidade Medieval, 1980, Livraria Martins Fontes Editora, 1989, 1992, ISBN 978-853-360-127-1.

Cortesia de LMartinsFontesE/JDACT