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A nossa noção moderna de heterossexualidade não tem, portanto, sentido. O
interesse exclusivo de um homem pelo sexo feminino não define uma categoria antropológica,
mas sim uma idiossincrasia pessoal. Assim, o imperador Cláudio parece, segundo
Suetónio, ser o único homem de toda a história romana a ser possuído por um desejo
ilimitado pelas mulheres, nunca tendo feito de todo a experiência de homens. Suetónio
não tem à sua disposição qualquer instrumento linguístico ou conceptual para indicar
esse comportamento estritamente heterossexual, no sentido moderno, pelo que tem
de explicitar aos seus leitores a peculiar característica do imperador por meio
de uma perífrase. A necessidade de especificar que Cláudio nunca teve qualquer relação
sexual com um homem mostra bem a ausência de um conceito como o da heterossexualidade
na mentalidade romana. De acordo com a análise de Michel Foucault, as relações
sexuais dos romanos organizam-se segundo um esquema de dominação/submissão que redobra
e confirma a superioridade social de uns e a inferioridade social de outros. A verdadeira
masculinidade de um homem de condição livre é atingida apenas na idade adulta e
traduz-se, sexualmente, pela postura do homem dominante, activo, aquele que penetra,
após ter passado pelo estádio da passividade erótica durante a adolescência. O estatuto
de cidadão varonil, adquirido no momento da passagem da adolescência para a idade
adulta, baseia-se no controlo, controlo da esposa e dos filhos, dos escravos e,
sobretudo, de si mesmo, o qual pode, a qualquer momento, ser colocado em perigo.
A manutenção desse estatuto viril não pode ficar sem vigilância, tanto de ordem
física quanto psíquica. Qualquer perda de vigor físico, qualquer complacência para
com um prazer excessivo ou qualquer fraqueza moral ameaça a integridade dessa masculinidade
e pode fazê-la cair num estado de efeminação passiva, no estado de infâmia social.
Adolescência
e iniciação sexual
A diferença
sexual estabelece uma linha divisória no comportamento que a sociedade romana permite
ou não ao adolescente, de acordo com o seu sexo. Apenas os rapazes possuem o direito
de fazer a sua iniciação sexual fora da instituição do casamento. Os seus primeiros
desejos sexuais e as suas primeiras ejaculações espontâneas, aquando da puberdade,
nunca são referidos, com a excepção do que escreve Lucrécio no canto da sua obra
poética dedicada à análise do amor: submetidos à ilusão de ver os simulacros» de
pessoas atraentes e de fazer amor com elas, os adolescentes, durante o sono, difundem
as torrentes de um imenso rio e acabam por manchar as roupas. A entrada na
puberdade e, portanto, na vida sexual é acompanhada, no que aos rapazes diz respeito,
por uma tolerância indulgente da parte dos mais velhos. Até os moralistas mais severos
admitem que o jovem púbere vive, até à altura do casamento, alguns anos de liberdade
sexual junto de criadas, cortesãs, prostitutas, e frequenta o bairro mal-afamado
de Suburra em Roma, a não ser que uma senhora da alta sociedade ponha o olho nele,
como atesta a relação da célebre Clódia com o jovem aristocrata Célio. Assim, os
jovens iniciam-se no amor junto de uma ou de várias amantes. São inúmeros os testemunhos
literários da época republicana a defender a indulgência face aos desvarios da juventude.
Na comédia de Plauto as duas Báquides, o velho Filoxeno defende perante um pai o
filho deste, que está apaixonado por uma prostituta, e recorre a um argumento
pessoal: ele próprio, na sua juventude, passou pelo mesmo... Os jovens podem bem
divertir-se um pouco, porque acabarão por se desgostar consigo mesmos e casar.
Pede então ao pai que deixe o filho satisfazer o seu capricho. Recorda que, na idade
do filho, ele mantinha uma amante, bebia com ela e lhe dava dinheiro e presentes!»
In
Géraldine Puccini-Delbey, A vida sexual na Roma Antiga, 2007, Edições Texto e
Grafia, tradução de Tiago Marques, 2010, Lisboa, ISBN 978-989-828-515-7.
Cortesia
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