Cortesia
de wikipedia
A
assembleia dos templários
«(…)
Pois bem, prosseguiu o peregrino, fazendo um grande forço, foi aí que me apareceram
os anjos do Senhor e que ensinaram a maneira de guiar os homens e de os conduzir
à fé obediência, ao caminho do céu. Os preceitos que eles me ensinaram, meus irmãos,
escrevi-os, e tenho-os aqui, e Loiola mostrou folhas que tinha ao lado. Com estes
Exercícios espirituais,
escrevi enquanto os anjos mos ditavam, encontrei o modo de reduzir à submissão
as almas mais rebeldes, e de fazer com que elas sejam nas mãos do seu director
espiritual como um cadáver nas mãos do cirurgião. Estas palavras resumiam em si
a terrível doutrina da Companhia de Jesus, que Inácio de Loiola devia fundar. Perinde
ac cadáver, como um cadáver, tal é a forma de obediência imposta aos
jesuítas. A atenção geral, que despertara a narrativa de Loiola, fizera com que
todos se calassem; contudo, Francisco Burlamacchi, que havia já um pedaço se
agitava com impaciência, levantou-se para interromper a piedosa narrativa de
Inácio. Irmão, disse ele, essas tuas visões serão talvez enviadas pelo céu,
tanto mais que muitas vezes tem permitido que anjos do inferno venham tentar os
homens, especialmente os que mais presumem da própria santidade; mas eu só te
peço que me diga que conclusões te inspirou essa tua devota solidão, com a qual
há tanto tempo estás entretendo a ordem dos Templários. A palavra audaz e
franca do jovem italiano parece que quebrou o encanto que fazia com que todos
os presentes estivessem suspensos dos lábios de Loiola. Muitos dos que assistiam
à reunião repetiram as palavras de Burlamacchi, observando que a ordem do
Templo não fora convocada com tanta solenidade para ouvir os devaneios de um
visionário. Inácio dirigiu a Burlamacchi um olhar carregado de indignação.
Aquele homem, que dizia ter-se despojado, mediante o ascetismo, de todas as
fraquezas humanas, conservava ainda duas paixões invencíveis, e que não são
decerto o apanágio das almas fortes, a vaidade e o espírito de vingança.
Depressa
chego à conclusão, irmãos, disse Loiola, depois de um curto silêncio. Sim; eu
vim aqui com um propósito formado; é verdade que também eu desejo a transformação
da nossa ordem, mas num sentido muito diverso do que propõe o nosso querido
irmão Beaumanoir! Também eu, meus irmãos, tenho notado o tumulto de ideias e o
espírito de rebelião, que agitam a Europa, e especialmente a Alemanha e a
Itália, e vim aqui precisamente para vos dizer: Este espírito de rebelião
devemos nós abatê-lo, em vez de o favorecer! A ordem dos Templários, exclamou
Loiola, deve transformar-se, não na associação dos Pedreiros Livres, mas na
Companhia de Jesus! Estas palavras produziram um tumulto espantoso. A maior
parte dos cavaleiros, indignados com aquela proposta, vociferavam contra
Inácio, levando a mão ao punho das espadas; outros, pelo contrário, e esses em
menor número e quase todos espanhóis, sustentavam que se devia escutar o orador
e discutir as suas propostas, porque nada continham por que assim devessem ser
repelidas brutalmente. Parecia próximo o momento em que as duas facções viriam
às mãos; mas naquele ponto ressoou sobranceira a todos os clamores a voz
potente de Beaumanoir. Irmãos, bradou ele, Inácio de Loiola tem o direito de
falar, como vós tendes o direito de combater as suas propostas. Silêncio!, e
tu, Loiola, fala, com certeza de que ninguém se atreverá a interromper-te!...
O
silêncio restabeleceu-se como por encanto, tal era a influência de veneração e
respeito que sobre todos exercia o nome de Beaumanoir. Loiola vira desencadear-se
e em seguida serenar o tumulto, se que nas suas faces pálidas e cor de terra se
notasse a mais pequena alteração; apenas um pálido sorriso lhe errava nos delgados
lábios. Dizia eu, pois, prosseguiu ele como se nada tivesse notado, dizia eu
que considero como um dever opôrmo-nos ao desenvolvimento da heresia. Irmãos,
qual é o fim da nossa Ordem, o restabelecimento do seu antigo poder, o seu
domínio em todo o mundo. Ora, esse domínio será impossível, se quisermos
exercê-lo entre os povos do norte, que se revoltam contra toda a autoridade. Se
quisermos fundar um imenso poder oculto, devemos operar entre as nações
católicas, e conservar nelas aquela fé invencível à que basta dizer: crê e
obedece, para que desapareça toda a oposição. Unir-nos-emos em volta do sólido
pontifício, como os pretorianos do antigo império, e defenderemos, alargaremos
o poder do papa, que depois será o nosso poder, porque o chefe da Igreja ser sem
dar por isso, o nosso prisioneiro. Ensinaremos aos povos que eles devem
obedecer com submissão e medo aos seus soberanos, e prestaremos aos reis este
apoio obrigando-os a governar segundo a vontade e os fins da nossa Companhia.
Por meio dos colégios dominaremos a mocidade, por meio dos confessionários
dominaremos as consciências; os penitentes, aterrados pelo rigor fanático dos
Dominicanos e dos Franciscanos, acorrerão ao nosso tribunal de penitência, onde
a moral será suave, perdão fácil, e o juiz indulgente. Irmãos, escutai-me: por
este modo, se consentirdes em transformar a nossa Ordem no sentido que vos
peço, dentro de vinte anos, não é preciso mais, nós seremos os senhores do
mundo! E teus escravos, não é assim?, perguntou em tom desdenhoso Burlamacchi».
In
Ernesto Mezzabota, O Papa Negro, 1947, tradução de Adolfo Portela, Brasil, Exilado dos Livros, Epub, 2001, ISBN
858-671-001-6.
Cortesia de
Wikipedia/JDACT