Cortesia de docadosaflitos
Com a devida vénia a Rui Godinho.
Naufrágios
«O tema dos naufrágios tem vindo a constituir-se como um dos pontos centrais utilizado para analisar a evolução da Carreira e a história de Portugal de 1500 a 1700. O sinal mais evidente é a sua ligação à perda da independência em 1580 e às «visões decadentistas da realidade nacional», opondo a exaltação ao fatalismo histórico.
O espelho dessa visão é a História Trágico Marítima, compilação do século XVIII de Bernardo Gomes de Brito, apontada como o culminar e exemplo do declínio do Império Português e incluída num género que se convencionou chamar de literatura de viagens. A dramaticidade, a forma de narração e o recorte trágico dos personagens são as características mais individualizadoras dos relatos de naufrágios, onde o castigo divino que está sempre presente. São os instintos mais básicos dos homens e a sua luta pela sobrevivência que nos são servidos revelando situações que ninguém pensa serem possíveis no seu quotidiano. Bernardo Gomes de Brito e a sua compilação colocam ao dispor do público toda uma gama de informações que irá ser utilizada no retrato que se pretende criar da Carreira da Índia.
Cortesia de viticodevagamundo
Dentro do tema dos naufrágios existem dois campos que têm vindo a ser estudados intensamente:
- o seu número,
- as causas.
A evolução e o nível de perdas retiveram a atenção de diversos autores sendo consensual a importância da entrada dos holandeses e ingleses no comércio oriental. As visões mais catastrofistas têm, no entanto, vindo a mudar. Vitorino Magalhães Godinho apontou um crescimento das perdas de 10% para 24 % entre 1500-1589 e 1590-1635. Estudos mais recentes fizeram uma análise exaustiva da periodização das perdas. Numa primeira abordagem chegou-se a valores, que apontam para uma concentração das perdas nos períodos de 1500-1529 e 1600-1629, na ordem dos 25% a 35%. Temos que na primeira metade do século XVI as perdas são elevadas em número, mas menos representativas em percentagem devido ao envio de armadas muito numerosas. Um segundo momento de meados do século XVI até 1590 é marcado por uma grande estabilidade com poucas ocorrências. O terceiro momento vai de finais do século XVI até meados do século XVII e corresponde ao período de maior perturbação onde as perdas se concentram na volta.
Um dado interessante é apontado por James Boyajian:
- a Carreira podia suportar perdas na ordem dos 25% enquanto os lucros se mantivessem acima dos 300%.
Ora, seguindo Boyajian, o mesmo (quanto aos lucros) deixou de verificar-se após 1550 e em 1580 rondaria os 150%. Isto vem confirmar que o peso das perdas no dealbar do século XVI e do século XVII foi bastante diferente. Enquanto num primeiro momento havia lucros e capitais que superavam este risco e este nível de perdas, num segundo os mesmos lucros e capitais disponíveis não permitem novos investimentos». In Rui Godinho, Viagens, Viajantes e Navegadores, CVC, Instituto Camões.
Bibliografia
BOYAJIAN, James C., Portuguese Trade under the Habsburgs, 1580-1640, Baltimore e Londres, 1993.
DUNCAN, T. Bentley, “Navigation Between Portugal and Asia in the Sixteenth and Seventeenth Centuries”, Asia and the West. Encounters and Exchanges from the age of Explorations. Essays in Honor of Donald F. Lach, Notre Dame-Baltimore, 1986, pp.3-25.
GODINHO, Vitorino Magalhães, “Rota do Cabo”, Dicionário de História de Portugal, Vol. V, Porto, imp.1989, pp.371-390.
LOPES, António Lopes, FRUTUOSO, Eduardo e GUINOTE, Paulo, “O Movimento da Carreira da Índia nos séculos XVI-XVIII. Revisão e Propostas”, Mare Liberum, nº 4, Dezembro de 1992, pp.187-265.
IDEM, Naufrágios e outras perdas da “Carreira da Índia”- Séculos XVI e XVII, Lisboa, 1998.
VIDAGO, João, ”Sumário da Carreira da Índia. 1497-1640”, Anais do Clube Militar Naval, Vol. XCIX, Tomos 1-3, 4-6, 7-9 e 10-12, Janº-Mar., Abr.-Jun., Jul-Setº e Outº-Dezº de 1969, pp.61-99, 291-329, 565-594 e 863-900.
Cortesia de Instituto Camões/JDACT