Cortesia de embaixadaportugalbrasil
«Uma vez no Brasil, que percorre desde as maiores cidades às mais remotas povoações na selva, empenhado permanentemente em projectos pedagógicos (a par de Eudoro de Sousa, foi fundador de várias universidades que, em início de actividade, precisavam de catedráticos para os seus quadros, recorrendo aos seus serviços, pois estava sempre pronto a começar de novo), Agostinho da Silva desenvolve cada vez mais uma componente filosófica do seu pensamento, que parte da mitologia clássica que conhece pela sua formação académica e se prolonga pelo pensamento mítico em geral.
Assim, na década de 1950 integra o chamado Grupo de São Paulo (cf., na Bibliografia, Marcondes César), fundado por Miguel Reale, filósofo brasileiro, e ao qual pertenciam também o já referido Eudoro de Sousa e o casal Dora e Vicente Ferreira da Silva. E, sintomaticamente, logo em 1957 e 1959, surgem as grandes formulações da sua doutrina providencialista de Portugal (da sua História e do seu povo), em dois livros aparentemente dedicados a matérias literárias:
- Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa,
- Um Fernando Pessoa.
Como o estudo sobre «um» (note-se, não pretendia reduzir o complexo Pessoa àquele que ali era apresentado)
Cortesia de bulhosa
Pessoa pretende encontrar na especulação desenvolvida por este sobre o V Império a confirmação do pensamento do próprio Agostinho da Silva sobre o «Império do Espírito Santo», temos aqui um caso claro de como a variedade de experiências de formação de Agostinho se plasmou na sua obra de maturidade. Em rigor, há que ter em conta uma outra influência, a da visão da história de Portugal do genro de Agostinho, Jaime Cortesão, fortemente marcada por uma idealização da monarquia medieval e da expansão marítima do início da idade moderna que não resistiu aos avanços da historiografia e das ciências sociais portuguesas da segunda metade do século XX (por Orlando Ribeiro, Vitorino Magalhães Godinho, e vários outros, sobre isto cf. na Bibliografia Leone, espec. Parte II).
Ao encontrar na vida rural brasileira uma materialização dessa imagem idealizada das relações sociais de um Portugal medieval irremediavelmente perdido, Agostinho da Silva concebe a tese de uma missão universal portuguesa, a de realizar e dar a conhecer uma nova forma de vida para toda a humanidade, de que a expansão marítima fora apenas o começo, interrompido por uma adesão (aliás mal sucedida) às tendências politicamente centralizantes e cientificamente racionalizantes da Europa moderna.
Cortesia de edmardealmeida
O termo «missão» carrega um determinismo com que o próprio autor não se sentia confortável, mas que de certo modo era inescapável, pois toda a linguagem com que Agostinho da Silva descreve esse Portugal tardo-medieval, no início da expansão marítima, é marcadamente moral, ela veicula um sentido para a acção histórica, sentido esse que, naturalmente, carece de uma conclusão ainda por se consumar. Quer em Reflexão, quer depois em textos recolhidos sob o título Dispersos ou ainda no belo, até tocante, título Ir à Índia sem sair de Portugal, essa imagem da História de Portugal compõe-se de momentos de crise, o primeiro negativo, cisão de Portugal face à Galiza, por acção de D. Afonso Henriques, os seguintes positivos:
- expansão para sul, concretizando o ideal Templário cristão e integrando o Portugal «verdadeiro» na senda de São Bernardo de Claraval,
- seguido da introdução em Portugal do culto do Espírito Santo pelos franciscanos, traço de clara ligação a Cortesão e que terá consequências na sua visão do futuro de Portugal,
- a organização de um reino típico da I Dinastia, descentralizado, retomando os traços essenciais do que Cortesão havia exposto desde a década de 1930.
Ora, estas sucessivas crises, momentos de viragem, soçobram perante o emergir da modernidade (fim da primeira Dinastia), com a centralização política, a mercantilização da exploração marítima, enfim, com a sistematização própria da modernidade que retira a faceta amorosa, é o termo, que a expansão inicial de Portugal comportava e a encerra numa forma que não é sua, ao ponto de, em 1580, perder a sua independência.
Cortesia de anapaulafitas
Mas como Agostinho da Silva diz algures, Alcácer-Quibir foi a sorte do Brasil, e, como não se cansou de repetir, o Brasil é o melhor de Portugal (menos conhecido do que o célebre “o brasileiro é o português à solta”). Nesse Brasil intocado pela modernidade que foi encontrar em pleno século XX na selva amazónica, Agostinho da Silva entendeu reencontrar o Portugal primevo e valioso, aquele que, depois de ensinar ao mundo que todo o mundo é apenas um arquipélago, poderia agora, enfim, ensinar uma unidade espiritual bem diferente da segmentação da vida e da separação das esferas da cultura próprias da modernidade». In Carlos Leone, Centro Virtual Camões.
Cortesia de Instituto Camões/JDACT