quinta-feira, 24 de março de 2011

Oliveira Martins. A corte de D. Manuel: Parte III. «D. João II tinha acolhido em Portugal os judeus foragidos de Castela; e D. Manuel protegera-os até o dia em que casou. A expulsão dos judeus foi o preço por que julgou pagar o império da Península... o rei tornou-se réu das matanças que molharam em sangue Lisboa em 1506»

Cortesia de historiaviva

A Corte de D. Manuel.
«A estas causas devemos juntar o ardor místico da corte castelhana, que o rei D. Manuel, sem o participar, servia, na esperança de vir a herdar esse trono cobiçado, acrescentando mais a influência que os felizes acontecimentos ultramarinos exerciam no ânimo de todos. Como seria condenada por Deus a sabedoria de homens, a quem a Providência galardoava todos os dias e de um modo inaudito?
O Céu abria-se um milagre: e a nação por ele favorecida protestaria? Nunca. Entre os pedidos gerais de reforma da Igreja, formulados por Gil Vicente nos seus autos, por Damião de Góis, o amigo dos humanistas por todos e pelo próprio rei; entre esses pedidos e o protesto místico dos alemães, há uma distância que nem sempre se mede bem. E como havia de Portugal protestar se, para que as revoluções, quer religiosas quer políticas, rebentem, é indispensável o aguilhão da miséria; e o reinado de D. Manuel via abrir-se o tesouro do Oriente, que parecia inesgotável?

Monumento em Lisboa.
Homenagem aos Judeus mortos no massacre de 1506
Cortesia de
D. João II tinha acolhido em Portugal os judeus foragidos de Castela; e D. Manuel protegera-os até o dia em que casou. A expulsão dos judeus foi o preço por que julgou pagar o império da Península. Inconsequente e dúbio na sua política, oscilando entre o bom senso e a ambição, obedecendo agora às suas opiniões, logo arrastado pelos clamores do povo, o rei tornou-se réu das matanças que no princípio do século molharam em sangue tantas terras, e mais do que todas Lisboa em 1506. O ódio aos judeus era tradicional em toda a Espanha: Portugal não fazia excepção. Já no século XIV as cortes pediam a D. Pedro (1361) que não desse lugar aos judeus de sua terra de onzenarem, reclamando que
  •  «lhe deem logares aguizados pera sua morada e esto medez se estenda aos mouros».
D. João II acolhera os expulsos de Castela, mas as cortes não cessam de pedir leis de excepção para essa gente que suja o povo:
  • que não usem vestidos ricos e só trajos por que sejam conhecidos (1482);
  • que não sejam rendeiros das rendas reais, nem tenham ofícios públicos, nem sejam feitores de nenhumas pessoas (1490).
O povo, (neste caso mal aconselhado, nota de JDACT) para o qual os assassinos (??? passados tantos séculos ???) de Cristo eram réprobos, temia neles a habilidade e as artes com que, enriquecendo, desgraçavam o trabalhador. Esta velha questão chegava agora a uma crise.

Massacre de 1506

Cortesia de castelorodrigo
Um dia, o rei D. Manuel tomou a si o papel de Herodes, e como um sátrapa mandou arrancar aos pais e baptizar todos filhos menores de catorze anos,
  • a qual obra não tão-somente foi de grão terror misturado com muitas lágrimas, dor e tristeza dos judeus, mas ainda de muito espanto e admiração dos cristãos.
Ao mesmo tempo, num prazo breve, os judeus haviam de receber o baptismo, ou embarcar em navios que se lhes não davam. Era um choro, uma aflição desoladora, e Lisboa parecia uma Babilónia com as turbas dos cativos eleitos de Jeová. Os malsins furavam pelas ruas, farejavam pelas casas à busca das crianças: as mães escondiam os filhos no seio, fugiam clamorosas, caíam desgrenhadas soluçando. Muitas preferiam afogar os inocentes, arremessando-os do seio ao fundo dos poços ou às águas do rio. E a desolação era tanta que os próprios cristãos davam guarida aos infelizes perseguidos». In História de Portugal, Oliveira Martins, Europa-América edição nº 140823/5304, adquirido em Janeiro de 1993.

Cortesia de Europa-América/JDACT