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«O valor das coisas não está no tempo que
elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos
inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis». In Fernando
Pessoa
«(…)
Os medos, por mais variados que sejam os motivos, nas suas finalidades últimas,
enraízam num medo maior, total e omnipresente, que é o medo de morrer. Basta
que saibamos que o primeiro sinal da existência de actividade humana foi dado
pelo encontro de um túmulo. O fascínio pelo oculto, por aquilo que não se
conhece e desejamos comandar, a omnipresença da morte, favorece crenças, mitos,
medos, a necessidade de pesquisar o futuro incerto e, até, o Além. Os locais do
medo são, de certa forma, uma geografia de testemunhos da morte e passados muitos
anos essa impressão mantém-se no imaginário colectivo. Um caso exemplar é o do
Aqueduto das Águas Livres onde, há cento e cinquenta anos, Diogo Alves defenestrava
as suas vítimas. Hoje é um local que continua a remeter para essa memória
longínqua mas que persiste como um medo de morrer, exemplifica Moita Flores. Apesar
disso, os cientistas garantem que nascemos apenas com dois medos inatos: o medo
de cair e o medo do barulho. Todos os outros são adquiridos no contexto evolutivo
da própria espécie humana. Ironicamente, por ser um sentimento de tamanha
complexidade, o medo também atrai o homem, quer seja pelo prazer de o dominar quer
seja por puro entretenimento. Alguns desafiam-no em actividades radicais, embora
a maioria de nós se fique pelas páginas inquietantes de um livro ou sem sair da
zona de segurança frente ao televisor! Por isso, o medo é também um dos instrumentos
favoritos da ficção, diz o actor e argumentista Martinho. Segundo ele: o acto principal
e mágico de um autor é criar uma história em que as pessoas acreditem
absolutamente, vivida por personagens que gostaríamos que fossem nossas
conhecidas. A quem pudéssemos dar um conselho ou um parecer, que nos pudessem fazer
comungar das suas alegrias, tristezas, entusiasmos ou temores. Mas o medo deve ter
sempre um ponto de partida e uma conclusão. Um desfecho ou uma explicação que lhe
dê valor, sobretudo. É um ingrediente difícil de usar.
O pior
é quando o elenco da própria novela é atacado por forças sobrenaturais a meio das
gravações e fica espavorido e cheio de medo, como aconteceu em 2003, quando as filmagens
de O Teu Olhar no assombrado castelo de Montemor-o-Velho tiveram de ser interrompidas
quando os actores sucumbiram ao medo! É caso para dizer que se virou o feitiço
contra o feiticeiro. Em Portugal, de lés a lés, o que também não falta é uma cultura
popular riquíssima, que com as suas pragas e mau-olhado, histórias de
fantasmas, bruxas e aparições, continua a propagar o medo. Tais relatos são
sempre em lugares suficientemente próximos para que pudessem ter acontecido a qualquer
um de nós, apesar de a maioria destas paragens ser obra e arte do inconsciente:
se todos os outros animais agem por instinto, o homem é o único que tem a
capacidade de reflectir. Mas isso que aparentemente é a sua maior ventagem
torna-se também o seu maior obstáculo, porque o papel da imaginação modifica a realidade.
Mas nem
tudo é mau no medo. Há um medo que impele e alavanca o homem, como quando este procura
pela ciência a cura para um mal universal. Esse é o lado bom do medo. Já para
não falar que o medo deixa-nos mais alerta, protege-nos da ameaça, desafia-nos
a vencê-lo. O medo ensina a viver o seu oposto, a coragem, garante Flores. Em
tempos de instabilidade e mudança a todos os níveis, vale a pena reflectir sobre
esta dualidade, pois, como diz uma certa verdade essencial de cariz universal: o
bravo não é aquele que não tem medo. É aquele que, mesmo assim, avança. E, já
agora, o melhor é começar a falar sobre o medo, pois é meio caminho andado para
o perder e, em última instância, até para começar a rir dele...
Mistérios,
fenómenos inexplicáveis e assustadoras coincidências
O
medo é uma emoção poderosa que se desencadeia perante a percepção de algum tipo
de risco, perigo ou ameaça, garante o psicólogo Batista, especialista em emoções
e fundador da A. P. T. do Comportamento. Para mal de todos os nossos pecados, é
também uma emoção fácil de desencadear e só isso justifica porque é que um simples
pensamento é capaz de causar arrepios. A sua intensidade varia do medo comum e normal
às fobias, que são instâncias extremas de medo. Quando se manifesta causa tremores,
suores, tolda a respiração e outros sintomas possíveis de observar e agrupar em
escala». In Vanessa Fidalgo, 101 lugares para ter medo em Portugal, A Esfera dos
Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-467-3.
Cortesia
de AEdosLivros/JDACT