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Filósofos Orientais
«(…) Ibn Hazm, Abu
Muhammad Ali ibn Hazm (Córdova, 994-Huelva, 1063). Como Ibn Masarra era de
família muladi, originária da região de Huelva, portanto do Gharb al-Ândalus. O
pai desempenhou altas funções no palácio de Almançor. Após a queda do califado
esteve profundamente envolvido na luta política e teve de refugiar-se em
Almeria e Xátiva. Foi visir do seu amigo o califa omíada Abd al-Rahman V, assassinado
sete semanas depois da posse. Conheceu a prisão e o exílio. No final da vida,
retirou-se para as propriedades de família, a Casa Montija, nos arredores de
Huelva. Poeta, historiador, jurista, filósofo e teólogo defensor da doutrina
zahirita. Ao enumerar os mestres que intervieram na sua educação, Ibn Hazm dá
conta da alta qualidade do ensino que então se ministrava no Andaluz. O saber
enciclopédico destes sábios andaluzes está bem presente na sua Epístola do Auxílio Divino. Enumera
as diferentes ciências. Primeiramente a ciência dos números, útil para a vida
terrestre; depois, a geometria de Euclides cujo conhecimento se aplica para
compreender a descrição da forma exterior das esferas celestes e da Terra e
para a elevação dos pesos, a arquitectura e a agrimensura; a astronomia, tratada
por Hiparco e Ptolomeu cujo objecto é conhecer as esferas celestes, o seu
movimento circular, as suas intersecções, os seus polos, as suas distâncias e
conhecer os astros, os seus movimentos de translacção, as suas magnitudes, as
suas distâncias e as órbitas das suas revoluções; a medicina, da qual trataram
Hipócrates, Galeno, Dioscórides e os que seguiram a sua rota, que ensina a
curar os corpos das suas enfermidades. Na filosofia e nas leis da lógica, sobre
as quais discorreram Platão, o seu discípulo Aristóteles, Alexandre de
Afrodisia e os que seguiram as suas pegadas…, estriba o conhecimento intuitivo
do mundo, com tudo quanto há nele, os seus géneros e espécies, substâncias e
acidentes; além de fixar as condições que há-de reunir a demonstração apodítica
sem a qual não pode constar a verdade ou o erro de nenhuma coisa. Propõe uma
classificação das ciências que divide em três grandes grupos: o primeiro, o das
ciências particulares de cada povo (teologia com os seus ramos particulares
Escritura, direito, tradições e kalam ou teologia especulativa, história, filologia);
em segundo lugar, os saberes gerais universais (matemática, medicina,
astronomia, filosofia); em terceiro lugar os saberes mistos (retórica, poética,
interpretação dos sonhos). Num dos seus livros mais célebres, o Fisal, Ibn Hazm estabelece uma
espécie de enciclopédia dos conhecimentos das diferentes religiões com quem o
Islão estava em contacto. Trata-se de um trabalho histórico mas marcado pelo seu
ideal teológico. Para pôr em evidência os dogmas do Islão analisa os limites do
conhecimento, as concepções da eternidade ou da criação do mundo, expondo o que
considera os seus erros, até chegar à verdade do monoteísmo. A mentira e o erro
estão ligados à palavra. Mas, instituída por Deus, a linguagem leva consigo uma
verdade e é o único meio de descobrir a verdade e exprimi-la desde que se não cortem
as suas raízes divinas. A linguagem perfeita é a palavra de Deus. Toda a
tentativa de lhe descobrir um sentido oculto é vã. Conduz ao arbítrio, às
paixões da alma. Conheceu a lógica de Aristóteles mas tende a reduzir a importância
e aplicação dos processos lógicos concebidos como instrumentos de uma razão
independente. Embora acredite no valor da razão, o seu uso só é legítimo nos
limites em que Deus a ela se refere no Corão. No seu livro O Colar da Pomba
escreve: o amor consiste na união entre partes de almas que neste mundo criado
andam divididas. Ligadas a esta causa cósmica universal, há uma série
de causas segundas que determinam cada amor concreto. A concepção platónica do
amor acompanha todo o escrito. Pertences ao mundo dos anjos ou ao dos homens?
Diz-me porque a confusão zomba do meu entendimento. Vejo uma figura humana mas
se uso da minha razão acho que o teu corpo é um corpo celeste. Bendito seja O
que equilibrou o modo de ser das suas criaturas e e fez que por natureza fosses
maravilhosa luz. Não posso duvidar que és um puro espírito atraído a nós por
uma semelhança que enlaça as almas. Não há mais prova que ateste a tua
encarnação corporal nem outro argumento de que eras visível. Se os nossos olhos
não contemplassem o teu ser, diríamos que eras a Sublime Razão Verdadeira».
In
António Borges Coelho, Tópicos para a
História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto
Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
Cortesia de
I.Camões/JDACT