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«(…)
Bebe por mim apenas com os teus olhos
e eu brindarei com os meus:
ou deixa um beijo no fundo do copo
e não beberei mais vinho.
Dizes cada coisa, Nandito! Já não há ninguém no mundo que deixe de
beber por um beijo meu. Mas isso é muito bonito. Inventaste-o tu? Quando nós
nascemos já estava inventado. É uma pena. minha querida, mas quando nós
nascemos as melhores coisas começavam já a ficar gastas. Não há nada novo, nem em
arte nem em prazeres. A Bíblia demonstra que os maiores pecados já eram velhos
nos tempos de Salomão. No entanto, foram precisos cinco mil anos de cultura e
de amor para que Ben Jonson pudesse escrever esse madrigal. Eu, três séculos depois,
apenas posso repeti-lo. Está tudo feito. Mas não esgotado, Nandito. Pelo menos,
eu pude gozar o meu lote como se fosse novo. Tiveste sorte! Eu não tive tempo.
Consumi-o fazendo-me a mim próprio. E agora dilapido-o fazendo multiplicar o dinheiro
dos outros. Sou uma vítima, minha cara. E o fígado começa a falhar-me... Os
convidados, aos empurrões, desalojaram Curra e Fernando da zona da porta. Agora
estão quase dentro do vasto salão, de cujas paredes pendem as tapeçarias onde
dois reis inimigos se preparam para transformar em amizade fraterna a sua
tradicional inimizade, mediante a troca de duas princesas inteiramente
comerciais. As pessoas conversam a meia voz. Toda a gente tem uma taça na mão
direita e, na esquerda, um canapé de qualquer coisa. Cumprimentam-se com os
dedos mínimos e as senhoras fingem beijar-se. Do rumor das conversas destacam-se
palavras soltas, pela sua força ou pelo seu brilho. Isoladas, balizam, contudo,
temas de conversa: política internacional, finanças, alta intriga ou galanteio.
Os segredos cochicham-se ao ouvido. Os elogios dizem-se em voz alta. Os piropos
sussurram-se. Curra Varela põe-se em bicos de pés e tenta aproximar-se da orelha
mais próxima de Anglada. Há novidades da tua embaixada, Nando? Disseram-me que esperas
a nomeação de um momento para o outro. É verdade, mas virá? Se há alguém que o mereça,
és tu. Ora, merecimentos, merecimentos! Alguma vez importaram os merecimentos,
neste país? Assim que se ouviu falar disso, os meus inimigos mobilizaram-se logo
para o impedir.
Querem acusar-me de corruptor de menores perante o Governo. Que horror,
Nandito! Com o dinheirão que custam… Corruptor de menores, eu! É preciso não
querer conhecer-me. Porque um homem como eu pode ser acusado de tudo menos de homossexualismo,
menos de pederastia, menos de corrupção de menores. Uma estatística de todas as
mulheres que amei demonstraria que só me interessam as de trinta para cima e, se
possível, um bocadinho faisandées. Haverá algo mais insípido do que uma menor
de idade? O Barbey diz uma coisa admirável a este respeito Porque o amor, minha
cara, não consiste apenas nesse pouco de prazer que, na minha idade, se obtém a
custo. O importante, o maravilhoso, o difícil é o que vem depois. E depois,
nesse longo depois, de que é que se pode falar com uma jovem? És muito amável, Nandito.
Obrigada pelos piropos. Fernando Anglada volta a cabeça e sorri a uma dama esguia
e com cara de cavalo, muito racée. Curra dá-lhe uma pancadinha no ombro.
Não te distraias, homem. A pobrezinha, coitada, só tem ossos. Mas a sua inteligência
é poderosa. Havia de ter alguma compensação. Voltemos à história da embaixada. Não
perdi a esperança e conto inclusivamente com algumas garantias. Mas a luta é
feroz. Feroz... Querem enviar para esse posto um honrado pater famílias.
Mas a tua mesa diminuiu de qualidade desde que a tua cozinheira morreu.
Não sejas má, Curral! Digo-to com a maior ingenuidade, e sem segundas intenções.
Mas o certo é que ouvi comentários a esse respeito. A tua cozinheira era um autêntico
cordon bleu. Até em Washington se falava dos seus molhos para a lagosta.
O que tinha de melhor era a sua imensa virtude, a sua total fidelidade. Mas, filho,
olha de soslaio para Anglada, não foi tua amante, antes de ser tua mulher? Que sabes
tu disso? O que eu sei é que agora podias aproveitar a viuvez para te colocares
melhor. A um homem da tua idade já não fica bem meter-se em histórias de menores.
Precisas de uma amizade sólida com uma mulher bem colocada. A Cococha Ramírez, por
exemplo. Desde que rompeu com o seu jovenzinho anda chocha e melancólica, e ouvi-lhe
dizer que do que precisa é de um amor tranquilo. Por que é que não vens tomar chá
lá a casa um dia destes? Podia convidar a Cococha». In Gonzalo Torrente Ballester,
Off-Side, Ediciones Destino, 1969, Off-side, Editorial Caminho, Lisboa, 2000,
ISBN 972-21-1371-2.
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