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Filósofos Orientais
«(…) O amor udri é o que buscamos mas
não alcançamos como o da escrava que desapareceu na Porta dos Dragoeiros e o apaixonado
todos os dias procura em vão. Vejo a sua casa a todas as horas e momentos mas
quem nela vive está oculta para mim. E de que me serve estar à volta da casa se
há um espia que observa a minha visita a todos os moradores? Ai de mim! Ouço o
ruído do vizinho e sem embargo sei que para mim a China está mais próxima. Sou
como o sedento que vê a água no poço e não tem maneira de a tirar. O amor
transforma o amador num pastor de estrelas e planetas: Pastor sou de estrelas
como se tivera a meu cargo apascentar todos os astros fixos e planetas. As estrelas
na noite são o símbolo dos fogos de amor acesos nas trevas da minha mente. Parece
que sou o guarda deste jardim verde escuro do firmamento cujas altas ervas
estão bordadas de narcisos. Se Ptolomeu vivesse, reconheceria que sou o mais
douto dos homens a espiar o curso dos astros.
De família originária de Beja, foi como Ibn Bayya,
filho do Bejense, que ficou conhecido. Os latinos transformaram o Ibn Bayya em
Avempace. Com Ibn Tufayl e Averrois constitui a trindade maior dos filósofos do
Andaluz. Viveu um tempo agitado com o Islão peninsular apertado externamente
pelas tropas cristãs e internamente sujeito ao domínio almorávida. Abandonou
Saragoça, dois anos antes de Afonso I o Batalhador conquistar a cidade. Viveu
em Almeria, Granada, Sevilha onde conheceu o cárcere. Passou a África e morreu
em Fez, possivelmente envenenado por literatos e médicos da cidade com quem
polemizara. Dominou a medicina, a matemática, a astronomia. Escreveu
comentários sobre alguns tratados de Aristóteles referentes ao mundo físico e
animal e comentários sobre os Elementos
de Euclides e os Aforismos
de Hipócrates. Conheceu a Metafisica,
a Ética Nicomaqueia
e o De Anima. Introduziu
na península a filosofia de Al-Farabí sobre quem escreve Notas sobre o Livro das Categorias de
Alfarabí. As obras mais importantes de Avempace são o Tratado sobre a União do Intelecto com o
Homem, o Regime do Solitário e a Carta de Adeus.
O intelecto pode alcançar a verdade por si mesmo
sem o concurso da revelação divina. Mas o conhecimento da verdade não é igual
em todos os homens. Usando a alegoria platónica da caverna, considera que o
conhecimento dos homens comuns é semelhante à ideia que fazem da realidade exterior
os humanos colocados no fundo da caverna; o saber dos homens de ciência seria o
dos homens situados à entrada; e a sabedoria própria dos sábios seria a dos que
podem contemplar o sol cara a cara e ser transformados pela sua luz. No Regime do Solitário analisa
a constituição das sociedades, a conduta social do homem e os meios para
conseguir alcançar o seu fim supremo. As sociedades humanas não são perfeitas,
daí a necessidade de encontrar a comunidade ideal. Esta deve ser constituída
pelos homens modelo ou solitários que
aspiram à perfeição. Mas esta minoria de solitários tem de viver na sociedade
imperfeita, misturada com o comum dos cidadãos. Só em sociedade o homem é capaz
de alcançar a perfeição e felicidade pessoal. E é na perfeição dos solitários
que habita a esperança de uma possível transformação da sociedade imperfeita em
perfeita.
Solitário é todo aquele que regula a sua vida pelo
mais alto grau do saber que é o entendimento especulativo e se sente cidadão da
sociedade ideal, muito embora viva numa sociedade imperfeita. Não deve
isolar-se dela porquanto o homem é um ser social por natureza. A sociedade
modelo, que não pode identificar-se com nenhuma das comunidades políticas
concretas e históricas, não é concebida como simples ficção. Deve realizar-se
neste mundo para que nele todos os cidadãos possam viver de acordo com as
normas da razão». In António Borges Coelho, Tópicos
para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus,
Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN
972-566-205-9.
Cortesia de
I.Camões/JDACT