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Rennes
le Château. 20 de Junho de 1889
«(…)
Bérenger esperava aquela declaração. A comédia foi rápida e eficaz: talvez, mas
é melhor reflectir ponderadamente. São muito antigos. Em Toulouse ou em Paris,
alguns historiadores pagariam um bom preço por eles. Valia a pena vendê-los. Deixe-os
um tempo comigo e arranjarei comprador. Que me diz? Combinado, respondeu o
alcaide animado, apertando a mão de Bérenger. Agora, a sua imagem era o vivo retrato
da satisfação. Os números já desfilavam pela sua cabeça: duzentos, trezentos, quinhentos...,
mil francos? Ficou a olhar para o cura. Depois sorriu. As suas especulações tinham
chegado ao topo: três mil francos? E se Saunière o vigarizava? Quero uma cópia dos
manuscritos, disse, olhando outra vez para o chão. Empenhar-me-ei para que tenha
uma transcrição. Quando fecharmos o negócio, trago-lhe uma acta da venda. Fica
mais tranquilo? Sim. Então brindemos. Bérenger pegou-lhe no braço, sem deixar de
reflectir. Só havia um homem que lhe podia emprestar o dinheiro. Quando o
alcaide se fosse embora, escreveria a Elias Yesolot.
Rennes
le Château. 18 de Junho de 1891
O caminhante
tinha partido antes da alba, para se deleitar no momento em que a noite se libertava
do incêndio do dia. Agora, ofegava e gemia pela encosta, De vez em quando parava,
tomava fôlego e olhava para leste, regozijando-se com as chamas errantes que aumentavam
e se juntavam para dar vida ao novo sol. Nahash, o tentador, tinha fugido juntamente
com as criaturas das trevas. Saudou o amanhecer com uma vénia e continuou a andar.
O sol não tardaria a fazê-lo sofrer. Um rebanho já subia em direcção aos Pirenéus,
tocado pelos pastores. Escutou os chocalhos dos carneiros, os guizos e as campainhas
dos cordeiros e das ovelhas. Quando as bestas se amontoaram à sua volta, descobriu
que traziam talismãs ao pescoço; pedras da saúde e medalhinhas. O vento sussurrava
segredos. Nessa altura, um pastor clamou por entre as rajadas: fui até à cerca,
vi três eremitas, traziam pedras más, para destruir os campos. Menino Jesus, leva-os
daqui.
Agachou-se,
a escutar. Os pastores tinham medo. Tinham sempre medo. Será que o pastor tinha
invocado Jesus por causa dele? A voz tinha-se calado. Ao longe, os cordeiros já
corriam alegres para o vale. Estava outra vez sozinho e começava a sentir o
cansaço. Sentia o corpo pesado, mole. Uma carapaça de banha rodeava-lhe o
coração. De vez em quando, tropeçava nas pedras. Não tinha sido feito para escalar
montanhas. Não devia ter subido a pé desde Couiza. Quanto lhe faltaria ainda
percorrer? Levantou o olhar, avaliando a distância que o separava do seu destino.
A fita pálida do caminho enredava-se e retorcia-se pela encosta da colina,
tornando-se cada vez mais estreita. No cimo, o céu era uma miragem de branco e azul,
onde o temível sol dominava. Passada meia hora, avistou finalmente a aldeia. Não
tinha mudado nada. Continuava a ser uma aldeia miserável, perdida no meio da
solidão. Um carvalho acolheu-o sob a sua sombra. Encostou as costas ao tronco, deixando-se
escorregar. Chegou o momento. Voltou-se para a aldeia, fechando os olhos para se
concentrar. Sentiu pensamentos confusos. Eram os dos camponeses. Momentos depois,
distinguiu os pensamentos de Bérenger. O sacerdote estava perturbado e o seu espírito
lutava contra um problema insolúvel. No entanto, não corria nenhum perigo. O homem
de preto levantou-se mais tranquilo. Podia entrar na aldeia. Não havia nenhum inimigo
em Rennes». In Jean-Michel Thibaux, O Mistério do Priorado de Sião,
Rennes-le-Chatêau, 1888, 2004, tradução de Jorge Fallorca, A Esfera dos Livros,
2006, ISBN 989-626-019-2.
Cortesia
de ELivros/JDACT