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«(…) A rainha Ana ergueu-se, num ruge-ruge cintilante de cetins brancos,
e abandonou apressadamente a igreja, seguida de perto pelas aias. As clamas de
Joana juntaram-se em redor dela, ansiosas por lhe murmurarem o seu apoio e louvor,
mas ela mandou-as calar. Na sua ira, a rainha cometeu infelizmente um grosseiro
erro de etiqueta. Os convidados devem sempre sair primeiro da igreja. Se a
multidão lá fora está à espera de ver se a seguimos servilmente, ficará desapontada.
Sairemos a nosso tempo e seguiremos directamente para os meus aposentos. Caminharam
lentamente pela nave, dando às esculturas, aos trípticos e às estátuas pintadas
a maior das atenções. Maria veio-lhe sussurrar que, na verdade, a rainha
esperava na rua, talvez por se ter recordado das boas maneiras e que o povo da
cidade não se iria embora sem ter primeiro satisfeito a sua curiosidade.
Então, minhas damas, se estivermos todas prontas, prossigamos.
Emergiram sob o sol de Dezembro, Joana e o seu pequeno exército de aias,
avançando quais cruzados contra os infiéis. Sem um olhar à direita ou à
esquerda e as cabeças bem erguidas, passaram pela rainha Ana, direitas ao
palácio do conde. Assim que se acharam dentro de portas, desataram a correr num
alvoroço de saias e risos, até aos aposentos de Joana. Acho que para o jantar
temos de usar algo que nos distinga sem qualquer dúvida. E foi uma azáfama no
seio das aias. Saias, mangas, vestidos, meias, corpetes espalhados por todo o
lado, alguns à espera de ser escolhidos, outros postos de parte. Do caos,
emergiu Joana, uma metamorfose perfeita. Fora uma beleza flamenga. Agora era
uma radiosa princesa espanhola.
Olhou-se no espelho e observou cada pormenor do seu traje: o capuz negro,
o vestido de decote subido, o corpete longo, as saias almofadadas, tudo a
proclamava como espanhola. Joana e as suas damas estavam prontas para o
banquete. Estava pronta para o inimigo. Apreciando a ideia de que um dos
segredos do sucesso na batalha reside no elemento da surpresa, o que provara já
duas vezes naquele dia, partiu para o que sabia ser uma noite diferente. E
foi-lhe dada razão em todos os aspectos. Não se podia ter sentido mais
satisfeita quando a rainha francesa se deparou com aquela personificação de Espanha.
A rainha Ana tentou manter a compostura, enquanto exigia uma explicação,
sentindo-se cada vez mais desconfortável no seu vestido demasiado real e no
manto de veludo carmesim e pele de arminho. Escolhera deliberadamente aquele
traje para exigir respeito e a devida deferência daquela senhorinha espanhola, que,
assim parecia, tinha de ser recordada de que não passava de uma princesa casada
com um duque qualquer. Joana ter-lhe-ia respondido, mas Luís e Filipe entraram.
As feições carnudas do rei estremeceram de raiva e o choque do marido
transformou-se em fúria. Imperturbável, o queixo esticado para a frente, anunciou:
houve duas quebras de etiqueta esta manhã, pelas quais ainda não recebi um
pedido de desculpas. Achei que era altura de recordar a todos que não sou
apenas a arquiduquesa da Áustria, apenas a princesa Joana de Castela. Sou a
princesa das Astúrias, herdeira de toda a Espanha e dos seus vastos domínios. Fez
uma vénia, ciente de que a situação era difícil, embora não tivesse sido causada
apenas por ela. Chegara a vez de o rei Luís usar de toda a sua diplomacia. Quem
iria enfurecer mais, Espanha ou Filipe? Nenhum, de preferência, pensou ela,
pois ambos eram vitais aos seus planos. Profundamente satisfeita por ter levado
a bom termo a sua missão em nome da Espanha, esperou que o rei Luís abrisse o
caminho até ao salão do banquete». In Linda Carlino, That Other Joana, 2007,
Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes,
ISBN 978-972-23-4231-5.
Cortesia de E.
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