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Heróis ou Anti-Heróis?
A Governação dos Áustrias em Portugal
«(…) Mas os
cristãos-novos, contudo, não cruzaram os braços e faziam chegar a Roma os
motivos do seu descontentamento. Quando Filipe II tomou conhecimento de um
breve do papa que tratava, precisamente, das queixas apresentadas pelos
cristãos-novos de Portugal, junto da Santa Sé, através de cópia que o
Inquisidor-Geral lhe fez chegar às mãos, apressou-se, em carta datada de 23 de
Dezembro de 1597, a aconselhá-lo a responder ao referido breve. Devia o
Inquisidor-geral agradecer ao papa o facto de lhe ter dado a conhecer as
referidas queixas para se na matéria houver que emendar ou concertar se fazer
e, ao mesmo tempo, tranquilizá-lo, alertando-o para o facto de não dever ter
essas queixas como verdadeiras (...) ante caluniosas, e para algum fim errado,
conforme a malícia dessa gente, porque os oficiais do Santo Ofício (maldito) procedem conforme o direito canónico
e com a misericórdia e brandura e ordem judicial que ele ordena, e que assim o
deve Sua Santidade crer e ter por certo e não admitir nem dar audiência a
semelhantes queixas pelo dano que se pode causar contra a autoridade dos
ministros do Santo Ofício (maldito), que
nesses Reinos é muita, e convém conservar-lha para mediante este ofício santo
se conservar também a pureza da fé católica [em carta datada de 11 de Março de
1596, o conde da Vidigueira, vice-rei da Índia, era aconselhado a não se
intrometer nas cousas do Santa Inquisição e as deixe correr no seu modo e
forma ordinária e faça todo o favor e mercê em meu nome aos inquisidores e
oficiais dele para melhor poderem fazer seu ofício como é justo e devido que
seja (...). Uma vez mais, o monarca não deixava dúvidas sobre a opinião que
formava dos cristãos-novos, mas, principalmente, manifestava uma posição clara
de forte apoio ao Tribunal do Santo Ofício (maldito).
Em consonância com a
opinião que deixava expressa nas indicações fornecidas ao Inquisidor-geral,
relativamente à questão dos cristãos-novos, o monarca indeferiu o pedido de
indulto e endureceu a sua posição não apenas ao excluir, em 1597, os cristãos-novos
de cargos na Índia, como manifestando o desejo de que todos os delinquentes
abandonassem Espanha, projecto a que a morte do monarca, em 1598, pôs fim. Como
explicar esta posição de intolerância de Filipe II relativamente aos cristãos-novos?
Marcas de intransigência de um monarca profundamente
religioso? Pressões exercidas, junto do rei, pelo Tribunal do Santo
Ofício cujo poder, como vimos, vinha sendo fortalecido e que gozava de um
momento particularmente favorável de relação com o poder real? A verdade é que
a Inquisição (maldita) viu os seus
poderes reforçados e a atitude hostil demonstrada pelo monarca castelhano em
relação aos cristãos-novos para além de promover uma aproximação entre ambos os
poderes pode ter propiciado/criado condições a um aumento da repressão
inquisitorial. Esta, sem dúvida, ocorreu durante o reinado de Filipe II. Quando
Portugal perdeu a independência a actividade dos três tribunais instalados em
território continental encontrava-se praticamente paralisada. À data, o
Tribunal do Santo Ofício tinha atingindo, em termos de acção repressiva (no referente
ao número de sentenciados), o seu ponto mais baixo, desde que fora instaurado
em Portugal, encontrando esta realidade justificação, em grande medida, no perdão
geral concedido aos cristãos-novos pelo monarca Sebastião I. A subida de Filipe
II ao trono português marcou um momento de retoma progressiva e constante no
campo da prática repressiva, por parte da Inquisição portuguesa que se
prolongou até à sua morte, em 1598 (no caso da Inquisição de Évora, por
exemplo, em 1598, o número de sentenciados atingiu praticamente o seu pico
apresentando valores muito superiores aos da Inquisição de Lisboa, cuja curva
de evolução repressiva registou, durante o referido período, algumas hesitações
no seu crescimento, e também mais elevados dos registados pela Inquisição de
Coimbra)». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado
de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação
de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
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