jdact
«Frank
Copenhaver pôs as malas de sua mulher, Gracie, no porta-bagagens do Electra e abriu-lhe
a porta. Ela entrou. Contornou a frente do carro, circunspecto, e entrou.
Inclinou-se sobre o volante para contemplar a casa, como se fosse ele, e não
Gracie, a contemplá-la pela última vez. Uma pêga passou no seu campo de visão.
Era um sinal para Gracie, no caso de ela não ter percebido ser aquela a sua oportunidade.
Não queria que a meio caminho do Arizona ela constatasse, na sua tristeza, ter esquecido
algo tão importante. Já seguiam viagem, quando ele disse: dispomos de uns minutos
extra, deixa-me optar pela via panorâmica. Oh, Frank, oh não, por favor, não pela
via panorâmica, disse Gracie. Ele não lhe deu ouvidos. Enquanto guiava, ia falando
da disputa entre a Keilogg's e a General Mills por causa do negócio dos cereais,
que envolvia sete mil e quinhentos milhões de dólares, apercebendo-se demasiado
tarde de que isso podia parecer uma tentativa de prefigurar o seu processo de divórcio
e a respectiva conclusão. Tentou até ser mais específico, evitar tal associação,
discorrendo sobre Cheerios e Wheaties, Rice Krispies e Raisin Bran; e, considerando
o estado das suas próprias vidas, dando imenso destaque ao facto de Tony the Tiger
autografar bolas de basebol nos armazéns Safeway.
Gracie
vestira-se para viajar: jeans, um sweater. de algodão ajustado à cintura, sapatilhas
de ténis, os longos cabelos negros entrançados e enrolados no alto da cabeça. Embora
já não fosse nova, era bonita, bastante jovem para mãe de uma estudante universitária.
Levava óculos de montanha com palas laterais em couro. Parecia não reparar nos
vulgares subúrbios e não prestou muita atenção quando Frank parou diante da
sua, deles, clínica em Alder Street e observou com visível satisfação os
pacientes andando para lá e para cá ao longo do arejado e moderno átrio. Havia pouco
tempo que eram proprietários da clínica, e os muitos álamos de viveiro achavam-se
ainda sustentados por estacas e arames; além disso, os canteiros das plantas
anuais mostravam uma estranha uniformidade. Frank deu mais uma volta para poder
ver o edifício de lado e depois seguiu para o Kid Royale, o seu projecto de estimação. O Kid Royale Hotel ficava a curta distância
da estação de caminho de ferro territorial de Deadrock e era um dos monumentos da
fronteira do Montana. Frank ia restaurá-lo na sua glória original, com cocheiras
para as diligências, varões para atar as rédeas e vestíbulo abobadado. Estava
agora em mau estado e erguia-se, com anúncios esmaecidos a tabacos e refrescos pintados
na parede lateral, no meio duma vizinhança que ia dando lugar a construções efémeras
e indústria ligeira. O sucesso daquele projecto seria provavelmente decisivo para
que Frank se deixasse cativar por essa pequena cidade. E era quase sem ironia que
encarava aceitar aquele encargo. Podemos dispensar o minimercado?, perguntou Gracie.
Está a fazer-se tarde. Frank conseguiu incluir as instalações do minimercado no
passeio pitoresco, apesar de Gracie se encostar desolada à ilharga do carro». In
Thomas McGuane, Um Céu Sempre Azul, 2010, Quetzal Editores, 2012, ISBN
978-989-722-040-1.
Cortesia de
QuetzalE/JDACT